Marcelo Coutinho*
postado em 12/10/2019 04:14
Hoje, para dar certo, o amor precisa de muita sorte porque tudo parece conspirar contra ele num mundo muito louco, cheio de relações fugazes. É como em um desses filmes românticos em que os apaixonados se afastam inúmeras vezes por motivos pessoais ou trombadas nas diferenças construídas pela vida, mas a trama acaba os reaproximando sempre, repetidas vezes arrumando um reencontro para que eles finalmente possam entender que não vivem um sem o outro. Mais ou menos como em um cabo de guerra desigual. O mundo do ;estou nem aí; colossal puxa de um lado para fracassarem, mas o amor continua puxando no sentido contrário. Sem muita sorte, ele simplesmente perde.A cultura do ;estou nem aí; saiu de seus antigos guetos e agora ocupa lugar de destaque na sociedade. Está todo mundo nem aí, ou pelo menos cada vez mais gente com aquele botão ligado. Se o relacionamento não está dando certo é porque a fila tem que andar, como se diz no cotidiano de paixões tão passageiras como um palito de fósforo aceso. Antes mesmo que ele queime o dedo, descarta-se e logo tira outro da caixinha, e mais outro e mais outro até que você joga a caixinha de fósforo toda fora e sai desesperadamente a procura da caixinha de outra emprestada para suprir suas necessidades básicas, acendendo um fumo qualquer, que nem de longe lembra mais os velhos filmes calorosos de cinema e seus charmosos atores. Tudo virou fumaça barata.
O amor é como esses filmes antigos, envelheceu, saiu de moda ou não é para os dias de hoje que valoriza o eu sozinho. Outro dia, li num texto desses de Internet atribuído a alguém famoso que o negócio é se acostumar a ocupar toda a cama ao dormir, a não dar satisfações a mais ninguém, a receber chamadas para encontros ocasionais e assim por diante. O mais triste é quando diz que se acostumou a ficar sozinha. Veja bem, eu digo muito triste, pois no geral, nas redes sociais, aparentemente todo mundo achou o máximo, o ápice da libertação e da felicidade plena. Ficar sozinho virou mais do que algo bom, um objetivo de vida. Até então, ficar sozinho era positivo como momentos de reflexão ou até mesmo períodos na nossa vida para autoconhecimento. Mas nunca foi o porto final a ser alcançado. Agora, o único amor que ainda importa é o amor-próprio.
Alguns cupidos se aposentaram, outros tiveram seu saco de flechas esvaziado. Mas há ainda alguns bravos que insistem em juntar pessoas, atirando uma flecha atrás da outra nas costas dos mesmos imbecis que não enxergam que se gostam ou, pior, que temem se gostarem. É aí justamente onde reside a sorte, essa conspiração de eventos para que ao menos um casal dê certo. A sorte de ter um cupido que se recuse a aceitar a banalidade da vida de hoje em dia. Recuse-se a se aposentar e não se prostra diante das inúmeras desilusões amorosas que o infortúnio traz. O diabo nem precisa atentar mais. Já está todo mundo meio que no inferno mesmo, confundindo tesão com luxúria, desejo com perversão. Mas como em toda história, ainda pode haver, senão heróis, ao menos bons guardiões silenciosos.
A verdade é que está todo mundo por aí experimentando. As boates, bares e academias viraram usinas de engenharias emocionais para lidar com essa zona toda, esse vazio interior. E por um motivo muito simples. Essa história do ;estou nem aí; é uma grande mentira, engodo que inventaram apenas para esconder supostas fraquezas, supostos fracassos. No fundo, e nem tão no fundo assim, ninguém quer ficar sozinho, mas apenas demonstrar desinteresse ou desapego para não descobrirem os bobalhões apaixonáveis por de trás dessa cultura superficial. Revelar-se alguém que se importa virou algo vergonhoso ou motivo de preconceito. Os moderninhos de agora esqueceram o que o bem mais moderninho de outrora Roberto Freire já disse: ;ame e dê vexame;. E olha que nem precisaria de tanto. Sobrou só a baixeza promíscua sem amor.
Houve uma época em que se fazia despedidas de solteiro como um ritual de passagem para uma relação longa e muitas vezes espúria, também repleta de hipocrisia já que, sobretudo, para os homens, a despedida continuava a acontecer periodicamente mesmo após o matrimônio religioso. Era uma encenaçãozinha para uma infidelidade consentida, para se fazer o que a carne pede e, fora disso, não se aceita. De uns tempos para cá, esse ritual de passagem ficou mais falso ainda, seja porque as relações não duram seja porque as mulheres também reproduzem o mesmo comportamento tradicional masculino. Homens e mulheres se traem talvez como nunca antes, só que agora no contexto do ;estou nem aí;, vai lá, que venha o próximo. Se nas antigas despedidas de solteiro a traição era até permitida com alguns limites, pelo menos uma noite de programa e nada mais. Agora é go, go, boy, ou desce novinha, sem parar, hoje e, se der, amanhã também. Porque os solteiros e já muitos casados se despediram de mentirinha não da vida sem compromisso, mas do amor.
*Escritor