Jornal Correio Braziliense

Opinião

Artigo: Só mesmo a mão de Deus

E pensar que ainda nem chegamos ao mais controverso dos julgamentos previstos para este ano no STF: o da prisão após condenação em segunda instância

No Brasil, a ficção é fichinha perto da realidade. Na quinta-feira passada, o fato que abalou o país foi uma revelação do ex-PGR Rodrigo Janot. Ele contou que em 2017, quando ainda ocupava o cargo de procurador-geral, foi armado ao STF com a intenção de matar a tiros o ministro da corte Gilmar Mendes. Em seguida, disse, iria cometer suicídio. A mão de Deus, afirmou, o teria impedido de perpetrar a loucura. Nada, porém, parece deter a escalada de decisões do Supremo que, em tese, atropelam a Constituição pela qual deveria zelar e invadem atribuições do Legislativo e do Ministério Público.

Uma delas tira do Ministério Público Federal a iniciativa de oferecer denúncia, como no caso da abertura do controverso inquérito das ;fake news;, que o presidente do STF, Dias Toffoli, determinou de ofício ; por vontade própria ; para investigar supostos ataques a integrantes da corte e punir responsáveis. É algo elementar no direito universal e na Constituição do país: quem faz a denúncia não pode julgar. Sim: cada um que cuide do seu quadradinho. É o óbvio ululante, diria Nelson Rodrigues.

Noutro caso, usurpa-se papel do Poder Legislativo de criar leis. Um exemplo disso é a norma recém-criada pelo STF dando a réu delatado o direito de apresentar alegações finais antes do réu delator. Ora, o Código de Processo Penal não estabelece essa diferença. A lei das delações, também, não. Nem há jurisprudência que assim o determine. Se a Lava-Jato tivesse dado esse direito ao delatado, aí, sim, sentença poderia ser anulada por desrespeito à legislação. Como não deu, está sendo anulada da mesma forma. Já ouviram falar da fábula do lobo e do cordeiro? Pois é...

Vale também destacar: ao contrário do que alguns propagam, quando chega a hora das alegações finais, em um julgamento, todas as provas nas quais o juiz vai se basear para decidir a sentença são de pleno conhecimento dos advogados de todos os réus, delatores e delatados. E, além do saber jurídico e da capacidade de argumentação da defesa, as alegações não podem trazer nenhuma nova prova aos autos. Então, por que toda essa celeuma?

Primeiro, ressalte-se, palavra de delator nada vale sem prova que a corrobore. Então, por que privilegiar quem se recusou a colaborar com a Justiça? Mais que isso: há, de fato, provas que permitam a condenação? Se há, como, então, anular a sentença em razão de uma suposta filigrana jurídica? Pior: devido a um direito que à época nem existia? Além disso, uma questão básica: cabe ao STF legislar no caso? Ou legislar, como estabelece a Constituição, é mesmo atribuição do tal Poder Legislativo?

E pensar que ainda nem chegamos ao mais controverso dos julgamentos previstos para este ano no STF: o da prisão após condenação em segunda instância. Na França e nos EUA, o xilindró já ocorre em primeira instância. Pelo bilionário golpe em investidores, Madoff fez acordo com a Justiça americana, confessou e pegou, apenas, 150 anos de prisão. E se fosse no Brasil: qual seria o provável desfecho do caso? O esquema é bem diferente dos mais de R$ 40 bilhões roubados da Petrobras. Mas, mesmo assim, qual a sua aposta?