Jornal Correio Braziliense

Opinião

Artigo: Liberdade e vigilância

A existência de outra aliança de porte entre Forças Armadas e fornecedores nacionais e internacionais poderia oferecer vários benefícios. A começar pelo estímulo econômico e de trabalho



A indústria de defesa é um dos principais vetores do desenvolvimento econômico e tecnológico no Brasil. Exporta mais de US$ 4,2 bilhões por ano em um mercado que movimenta quase US$ 2 trilhões anualmente. A chave para o país aumentar sua participação no mercado de defesa é a internacionalização da indústria, seja com a vinda de novos players, seja a partir de alianças com fornecedores internacionais, seja por meio da existência de programas de apoio a exportações.

No tocante às parcerias, temos vários casos de sucesso. Em especial, na indústria aeronáutica, na qual alianças da Embraer com a AerMachi e a Alenia resultaram na fabricação dos aviões de combate Xavante e AMX. Ambas as parcerias levaram a ganhos tecnológicos que contribuíram para o aperfeiçoamento de nossa indústria aeronáutica. Outros projetos também se mostraram bem-sucedidos. É o caso do projeto Gripen, destinado a produzir o caça Gripen, numa associação entre a Saab e a Embraer e, ainda, do Prosub, entre franceses e brasileiros. Recentemente, a Marinha do Brasil decidiu produzir corvetas fechando um consórcio com empresas internacionais.

[SAIBAMAIS]Como tais parcerias podem ser proveitosas para o Brasil? As histórias de sucesso mencionadas podem ser suficientes para quem conhece o setor. Mas vale destacar que uma parceria bem-feita pode propiciar transferência de tecnologia para significativos saltos de qualidade. As tecnologias desenvolvidas em conjunto com os italianos foram fundamentais, por exemplo, para a construção dos aviões civis da Embraer. Tais acordos, quando bem amarrados, resultam na absorção permanente de tecnologias e capacidades por parte do parceiro estrangeiro. Esses ativos incluem um complexo projeto de gerenciamento abrangendo engenharia de sistemas, fabricação, produção, modelagem e simulação.

Diversos profissionais treinados no exterior retornam ao país para internalizar a tecnologia aprendida. O caso da Embraer é exemplar. Hoje, dezenas de brasileiros estão na Suécia para implementar a produção dos caças Gripen, que, em breve, serão montados em São Paulo com parte das peças fabricadas aqui. Um dos campos de potencial cooperação reside na necessidade premente de o Brasil renovar sua frota de veículos de combate, o que deve ocorrer em sintonia com o já realizado pela Força Aérea e pela Marinha. O ideal é que se dê uma sinergia entre fabricantes nacionais e fornecedores estrangeiros tendo em vista a criação de um veículo moderno, com custo acessível e potencial de comercialização no exterior. Em especial, na América Latina e na África.

O Brasil tem um histórico de produção de veículos de combate para uso próprio e para exportação, como os tanques Osório e Tamoyo, o veículo de transporte de pessoal Charrua e os veículos com rodas Cascavel, Urutu e Guarani. No entanto, por questões orçamentárias, os esforços nessa direção foram descontinuados. Ainda assim, a produção e o desenvolvimento de veículos blindados são citados como área prioritária na estratégia de defesa nacional, que enfatiza a transferência de tecnologia para o desenvolvimento nacional, a qualificação do capital humano, a parceria estratégica, a colaboração entre governos e a exportabilidade de um veículo para clientes internacionais.

A existência de outra aliança de porte entre Forças Armadas e fornecedores nacionais e internacionais poderia oferecer vários benefícios. A começar pelo estímulo econômico e de trabalho, passando pelo aperfeiçoamento e uso de mão de obra nacional, até chegar ao investimento direto que a fabricação do veículo resultará para o país. É imperativo que o processo considere maneiras de as empresas brasileiras do setor entrarem na cadeia de suprimento global do parceiro estrangeiro. Por fim, um país da extensão continental como o nosso deve ter forças terrestres adequadas e preparadas para manter nossa soberania. Pois, como se sabe, o preço da liberdade é a eterna vigilância.

*CEO da Arko Advice e professor adjunto da Columbia University