Jornal Correio Braziliense

Opinião

Visão do Correio: Arábia Saudita e duas incógnitas

O governo deve conjugar o verbo prevenir e demonstrar que a produção de petróleo não é um castelo de cartas



Há especialistas pagos para traçar cenários políticos, econômicos ou sociais. Fundamentam as teses com argumentos sólidos, baseados em fatos, análises e comparações. Não raro os mesmos dados recebem interpretações diferentes em razão da tendência ou ideologia do profissional. Impõe-se levar em conta também os visionários, capazes de antever acontecimentos ainda não captados pelo radar da ciência.

A observação vem a propósito dos surpreendentes ataques sofridos pela Arábia Saudita no sábado. Duas instalações de processamento de petróleo arderam em chamas no poderoso reino do Oriente Médio. Não foram vítimas de mísseis lançados por potências inimigas, mas provavelmente por drones.

A tecnologia utilizada pelos agressores é barata, ao alcance dos houthis, milícia apoiada pelo Irã que luta na sangrenta guerra do Iêmen do lado oposto ao do homem forte saudita, Mohammed bin Salman, mais conhecido pela sigla MbS. Filho do rei Salman, o príncipe vende a imagem de modernizador de costumes, mas é acusado de crueldades no reino e no exterior.

Eis o paradoxo: o maior exportador de petróleo do mundo investe bilhões de dólares em armamento, mas mostra-se vulnerável, incapaz de desenvolver um sistema de defesa apto a livrá-lo de agressões previsíveis numa região conturbada como o Oriente Médio. Não precisa criar nada. Basta copiar Israel, ao lado.

Afora o fiasco, os estragos não podem ser subestimados. Perderam-se nada menos que 5% do suprimento mundial de petróleo. São 5,7 milhões de barris diários ; mais do que o dobro do consumo brasileiro a cada dia. O atentado, de um lado, aumenta as tensões no Oriente Médio e, de outro, acende a luz amarela na economia global.

Divulgado o ataque, o preço do petróleo saltou 20% ; fato semelhante ao da Guerra do Golfo (1990-91). Os Estados Unidos e outros países apressaram-se em afirmar que lançariam mão das reservas estratégicas nacionais, o que reduziria a escassez e controlaria a cotação da commodity. Mas o clima de incerteza agrava o ambiente econômico mundial. Grandes players do comércio internacional ; China, Europa e Estados Unidos ; vêm dando mostras de desaceleração do crescimento.

O Brasil, distante 11 mil quilômetros do conflito, é produtor de petróleo. As ações da Petrobras subiram. A estatal anunciou que aguardará o desenrolar dos acontecimentos antes de alterar a política de preços. Mas vale lembrar que o país não é uma ilha isolada num mar de ondas revoltas. Faz parte do mundo globalizado.

O governo deve conjugar o verbo prevenir. Só haverá certo alívio se o reino protagonizar duas respostas. Uma: provar que recuperará a produção de óleo em curto espaço de tempo. A outra: dar mostras de que tem condições de defender a infraestrutura vital para o abastecimento planetário de energia. Em português claro: demonstrar que as instalações não são um castelo de cartas.