Fábio Y. Moraes*
postado em 16/09/2019 09:00
O câncer do colo do útero é uma doença de características únicas por acometer somente as mulheres e em diferentes fases de suas vidas, de jovens adultas até idosas. O impacto de uma doença extropola a vida da paciente, acometendo também seu núcleo familiar, seus relacionamentos, seu trabalho e até a saúde financeira do país. Embora o câncer do colo do útero seja altamente tratável em suas diversas apresentações, essa doença continua sendo devastadora, especialmente nos países em desenvolvimento. No Brasil, segundo estimativas do Ministério da Saúde para 2018, os casos novos somam mais de 16 mil, e a doença será responsável por mais de 5,5 mil mortes. Como um fator agravante, a maioria desses cânceres ocorre em mulheres de baixa classe socioeconômica que dependem do Sistema Único de Saúde (SUS). Nesse contexto, políticas eficazes de saúde pública que viabilizam o diagnóstico e o tratamento precoces são essenciais.
Nos últimos anos, grande atenção tem sido dada à política de prevenção e vacinação contra o câncer do colo do útero. Programas importantíssimos e com potencial de gerar benefícios a longo prazo, essas iniciativas vão ajudar muitas mulheres a não desenvolverem a doença. No entanto, para as que já foram diagnosticadas, a atual falta de acesso a tratamentos, como radioterapia e quimioterapia, é catastrófica. Nesse cenário, é primordial enfatizar a necessidade de expansão ao acesso imediato a tratamentos eficazes aos pacientes com câncer.
No contexto do manejo do câncer do colo do útero, a radioterapia isolada ou associada à quimioterapia é essencial para a abordagem curativa. Uma renomada revista inglesa especializada em Oncologia, a Clinical Oncology, publicou, em agosto de 2019, estudo conduzido por médicos brasileiros que estimou, a partir de dados nacionais do ano de 2016, o potencial número de anos de vida perdidos e o desastre financeiro associado à falta de acesso ao tratamento, no âmbito da saúde pública brasileira.
O estudo indicou que o número médio de anos de vida perdido por mulher com câncer do colo do útero em 2016 devido à falta de acesso ao tratamento é de 20,5 anos. Isso significa que todas essas mulheres brasileiras, que não tiveram acesso ao tratamento no ano de 2016, perdem, no decorrer da vida, 27 mil anos de vida por falta de acesso à radioterapia e 31 mil anos de vida por falta de acesso à radioterapia associada à quimioterapia. O estudo também revelou que o custo anual para cobrir as despesas médicas com radioterapia é de U$ 10 milhões, com um custo adicional de U$ 3 milhões quando associada à quimioterapia. Nesse cenário, o custo de uma vida salva com radioterapia isolada é de aproximadamente U$ 8 mil, e de U$ 9 mil com radioterapia associada à quimioterapia. São valores considerados muito baixos de acordo com as diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS).
Por fim, o estudo indica que a falta de acesso ao tratamento de câncer do colo do útero em 2016 refletiu em uma perda de produtividade expressiva ao País, que é estimada em U$59 milhões por falta de acesso a radioterapia isolada, e U$69 milhões por falta de acesso à radioterapia e à quimioterapia combinada, o que se manterá nos anos que virão. O estudo não considerou o custo da expansão e modernização do parque radioterápico nacional, que teria o potencial de gerar melhores condições de tratamento para pacientes com outros tipos de câncer também. Com base nesse estudo inédito é possível afirmar que o acesso universal à radioterapia isolada ou associada à quimioterapia para pacientes com câncer do colo do útero é altamente custo-efetivo e deveria ser priorizado como uma iniciativa impactante de saúde pública.
*Professor de radio-oncologia e oncologia global na Queen;s University, Canadá, e doutorando no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo
*Professor de radio-oncologia e oncologia global na Queen;s University, Canadá, e doutorando no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo