Humanizar a vida das mulheres é o mínimo que podemos fazer quando uma de nós é alvo do feminicídio ; aquele assassinato cruel de mulheres pelo fato de serem mulheres. Hoje, penso e falo sobre Pedrolina Silva, mulher negra nordestina, assistente social, minha ex-aluna e orientanda, assassinada por feminicida. Para ela, a violência contra as mulheres não era assunto de indiferença: era de ação, questionamento. Foi assim que nos encontramos na vida: desenvolvemos reflexão, produzimos conhecimento científico. Ela do Nordeste, eu do Sul. Ambas, mulheres negras.
Falar de nós é também falar de si, nos colocarmos como pessoas e cidadãs diantes das situações. Há alguns anos, trabalho para contar histórias de mulheres, formular campanhas, divulgar dados e informações, desenvolver pesquisas acadêmicas e buscar respostas que somem, de algum modo, ao trabalho incansável de gerações de feministas e ativistas das várias vertentes dos movimentos de mulheres no desmonte do patriarcado.
Porém, a busca pelo ;paradeiro dela; rompeu o silêncio do feminicídio. Reativou nossas vozes, nos encheu de emoção e ação. Assim como as águas, nos movimentamos; vencemos a seca do imobilismo. Nossas vozes reverberaram o clamor pela vida da Lina. Inundamos as redes sociais e grupos de conversa com as fotos dela, enquanto reconectamos, pessoa a pessoa, com a nossa própria humanidade. Ela passou a ser ;conhecida; de quem jamais a tinha visto. Milhares de pessoas no DF e em outros estados vivenciamos juntas a agonia do desaparecimento, o desespero da falta de informações até a fatídica notícia da localização do corpo feminino negro de Pedrolina, subjugado pelo machismo e pelo racismo exterminadores.
Instantaneamente, a nossa rede de solidariedade passou das mensagens de mobilização e de esperança a externar os sentimentos de desamparo de centenas de mulheres do DF e do Entorno ; de diferentes idades, raça e etnias, sotaques ;, e a perplexidade de poucos homens. Nas redes e nos grupos de celular, quanto mais essas vozes de consolo se avolumavam, mais era estridente o silêncio do poder público do DF em relação ;a mais um crime de feminicídio;. Esta é, infelizmente, a maneira como ;o fim cruel e degradante da vida das mulheres; é integrado à estatística com que órgãos públicos, população e meios de comunicação tratamos os casos de violência contra as mulheres.
Ir e vir, decidir, lutar, expressar e transformar são verbos que conjugamos nas diferentes manifestações de sujeitas que, nós ; todas as mulheres ;, queremos e temos o direito de ser. Cada vida conta. Todas as vidas são importantes. A vida das mulheres é para ser vivida sem machismo, sem racismo, sem LGBTfobia, sem discriminações de qualquer expressão. Era deste entendimento que Pedrolina Silva fazia parte e agia diante de injustiças, impunidades e demagogias. Ela não deixava se abater pelo desânimo; recompunha-se e seguia adiante. Assim, foi a história dela. Humanizar a vida das mulheres é ação que nós ; todas as mulheres e todos os homens ;, precisamos tornar prática diária, com toda as nossas forças ; pessoas, cidadania, poder público, orçamento, cidades ;, para acabar com a violência contra as mulheres com a seriedade e a energia com que o machismo precisa ser derrotado. Essa vitória precisa ser construída por mulheres e homens.
*Jornalista, doutora em comunicação pela UnB e integrante da Frente de Mulheres Negras do DF e Entorno. Foi professora da Universidade Católica de Brasília, entre 2013 e 2017, dos cursos de jornalismo, publicidade e serviço social