Kátia Abreu*
postado em 10/09/2019 09:00
A construção de nova cultura da adoção é um dos desafios e um dos caminhos que temos de enfrentar para que o contingente de crianças e adolescentes sem família comece a diminuir no Brasil. Esse é direito inalienável da criança e do adolescente e dever ético de todos.Coordenei em Palmas (TO), no dia 2, o seminário Adoção Tardia, que reuniu juristas e especialistas para debater as maneiras de impedir que crianças órfãs, ou retiradas da família pela Justiça, ou abandonadas pelos pais biológicos continuem excluídas social e economicamente.
O Cadastro Nacional de Adoção mostra que há mais de 46 mil pais que querem adotar e 9.507 crianças e adolescentes passíveis de adoção. Ocorre que 90% das crianças, mais precisamente 8.201, estão na faixa da adoção tardia.
E a notícia para essas crianças, infelizmente, não é boa. Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), só 3% de pais pretendentes aceitam receber filhos adotivos acima de dois anos de idade, ou seja, os que estão na adoção tardia.
[SAIBAMAIS]Um dos aspectos alegados é o medo de que o adotado já ;tenha a personalidade formada;, o que traria dificuldades na educação, pois ele não aceitaria os padrões estabelecidos pelos pais adotivos. Acontece que isso não é verdade, isso é mito. A dificuldade inicial faz parte de todos os processos de adoção, independentemente da idade, e acontece dos dois lados, tanto da criança quanto dos pais.
A propósito, em um processo de adoção, tardia ou não, as chances de sucesso ou de fracasso dependem de vários fatores, como a capacidade de amar, dar suporte, garantir trocas afetivas e estabelecer relação de confiança e de afeto.
E o êxito depende quase que totalmente da habilidade da família para acolher a criança. Então, temos de lutar para criar condições objetivas, por meio de apoio psicológico, a fim de ajudar as famílias a acolher e não desistir da adoção. Afinal, quando se tem um filho biológico, é possível saber se ele será bom ou mau, sadio ou não, violento, pacato, bonito, feio, grosso, educado? A resposta é não.
Ninguém sabe qual será a forma em que se conseguirá criar o filho biológico, como ele vai crescer, se será médico ou jornalista, farmacêutico ou pintor. Precisamos de campanhas publicitárias nacionais para encorajar as famílias. É fundamental chamar a atenção para as crianças e adolescentes que não se enquadram nos perfis mais desejados.
É necessário argumentar que só vamos ajudar de verdade, de forma efetiva e transformadora, quando decidirmos apoiar quem mais precisa de ajuda: todas as crianças (que estão em instituições à espera de adoção) com até 17 anos, pardas ou negras, com deficiência, doença crônica ou grupos de irmãos.
É importante ressaltar aqui que a família é essencial para formar as pessoas. Família é o núcleo mais eficaz para uma criança formar o caráter e ter princípios e valores. É no convívio familiar que aprendemos, um com o outro, a respeitar, partilhar, ter compromisso, disciplina e lidar com conflitos. A verdade é que a família é parte insubstituível na vida de qualquer indivíduo. Lutar pela adoção, principalmente tardia, é lutar para garantir às crianças que estão em abrigos o direito intrínseco do convívio em família.
Acredito que temos de compor uma força-tarefa com os profissionais da adoção (psicólogos, assistentes sociais, advogados, promotores de justiça, juízes, etc.) para elaborar nova cultura de adoção tardia enfrentando o desafio de não reproduzirmos os mitos e medos existentes, mas que, pelo contrário, trabalhemos em função de suas desconstruções.
Além de quebrar preconceitos sobre a constituição familiar, devemos promover políticas públicas em favor das crianças e adolescentes em situação de risco (abandono ou conflito com a lei). Precisamos de políticas públicas voltadas para as famílias sem filhos, para que elas tenham acompanhamento, orientação e sejam informadas como encontrar, na legislação e nas instituições, lugares em que possam vislumbrar a possibilidade de tornarem real o desejado exercício da maternidade e da paternidade, por via da adoção.
As pessoas têm de saber que qualquer relação que exige convívio frequente traz dificuldades e alegrias. E quem pode adotar? Qualquer cidadão brasileiro acima de 18 anos, independentemente do estado civil, mas é necessário que a diferença de idade entre o pretendente e a criança seja de pelo menos 16 anos.
O pretendente deve se dirigir às varas da infância. No processo de habilitação, são incluídos dados de identificação pessoal, renda, profissão e domicílio. Também é realizado estudo psicossocial para avaliar motivações e condições da adoção. Todas as crianças, e não apenas as recém-nascidas, precisam de uma família. Amor não tem idade.
*Kátia Abreu, psicóloga, é senadora da República (PDT-TO)