A ficção imita a realidade. Todos os dias as brasileiras enfrentam sua própria República de Gilead. Ela está estampada no assovio malicioso do estranho na rua, ao ver a mulher como um conjunto de seios, genitália e nádegas, pronto para o coito. Está escancarada na disparidade salarial, que parece traçar limites quase que intransponíveis entre homens e mulheres. Entre fevereiro de 2018 e fevereiro deste ano, 22 milhões de brasileiras com 16 anos ou mais relataram ter sofrido algum tipo de assédio; 16 milhões disseram ter sido vítimas de violência, no mesmo período. A ;nossa; Gilead também se mostra explícita na figura do macho dominador, que espanca e tortura a companheira, violando-a física e psicologicamente. Na Gilead da ficção, Deus está acima de todos.
O Brasil é o quinto país do mundo onde mais se mata mulheres. Nesta Gilead da vida real, em média 13 mulheres são assassinadas todos os dias. O Distrito Federal contabiliza 18 casos em 2019. Segundo reportagem publicada pelo Correio Braziliense no último domingo, entre 9 de março de 2015 a 31 de julho de 2019, foram 76 mortes.
Em mais da metade dos casos de violência de gênero, a mulher se cala. Por vergonha, por trauma ou por medo de ser novamente agredida em sua essência. É como em Gilead, onde elas são forjadas para sofrer em silêncio. Ao contrário do país fictício, as brasileiras precisam gritar toda a dor, denunciar seus algozes, solicitar a proteção do Estado e exigir a igualdade em todas as áreas. Chega de violência e de covardia! Basta de ;homens; que impingem o horror às mulheres. A elas, todo o reconhecimento do mundo em forma de oportunidades iguais e de amor. A eles, o desprezo por se julgarem ;comandantes; do destino das pretensas ;aias;.