Jornal Correio Braziliense

Opinião

A Era Vargas

Vinte e quatro de agosto nos traz à lembrança a trágica morte de Getúlio Vargas, em 1954. Há 65 anos punha fim à vida, com certeiro tiro de revólver no coração, a mais carismática, complexa e controvertida personalidade política brasileira do século passado, cuja consistente obra jurídica resiste ao tempo na Consolidação das Leis do Trabalho de 1943, no Código Penal de 1940, no Código de Processo Penal de 1941, na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro de 1943, denominação atualizada da irretocável Lei de Introdução ao Código Civil de 1916 e na Petrobrás. Natural de São Borja (RS), onde nasceu em 19/4/1882, filho de Manuel do Nascimento Vargas, herói da guerra do Paraguai, e de Cândida Dornelles Vargas, ingressou na vida militar em 1898 como soldado de infantaria e atingiu o posto de segundo-sargento. Deu baixa em 1903 para cursar a Faculdade de Direito de Porto Alegre. Formou-se em 1907. Em 1909, inicia a vitoriosa carreira política, elegendo-se deputado à Assembleia dos Representantes na legenda do Partido Republicano Rio-Grandense (PRR), fundado em 1882 sob a orientação da filosofia positivista de Augusto Comte e liderado por Júlio de Castilhos, Pinheiro Machado e Borges de Medeiros. O programa do PRR incorporava teses sociais como regime de oito horas de trabalho nas indústrias, férias para os trabalhadores, harmonização nas relações entre patrões e empregados. A carreira política de Getúlio Vargas não cabe no curto espaço de artigo de jornal. Em duas edições, o Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro (DHGB, vol. V), editado pela FGV-Cepdoc, é a mais extensa e rica das biografias. Ocupa 73 páginas e se faz acompanhar por minuciosa relação de obras consultadas. Entre os fatos marcantes da sua história, temos a deposição e o exílio em São Borja em 29/10/1945, e a eleição para senador e deputado federal, em sete estados da federação em 2/12, com cerca de 1.150.000 votos, ou 40% dos sufrágios obtidos por Dutra para a presidência da República. A vitória de Eurico Gaspar Dutra, ex-Ministro da Guerra durante o Estado Novo (1937-1945), sobre o candidato da União Democrática Nacional (UDN), brigadeiro Eduardo Gomes, foi possível graças ao manifesto de apoio escrito por Vargas e lido no comício de encerramento da campanha, em 21 de novembro, 10 dias antes da data da eleição. O Governo Trabalhista de Getúlio permanece na memória do povo com o nome de Era Vargas graças, sobretudo, à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Objeto de acirrados debates nos meios jurídicos, entre senadores e deputados, economistas, jornalistas, dirigentes sindicais patronais e profissionais, e trabalhadores dos mais variados setores, é a veneranda CLT a maior responsável pela perpetuação da memória do autor. Para alguns, demagogo e oportunista, para outros, responsável pela criação do direito voltado às questões sociais, Getúlio Vargas nos deixou importante legado de obras e discursos que tinham o trabalhador como preocupação central. Veja-se, por exemplo, o que disse em 1º de maio de 1954, sobre o Dia do Trabalho, quatro meses antes do suicídio: %u201CNeste 1º de maio, tão grato a quem, como eu, se acostumou a ver em vossa nunca desmentida solidariedade o maior motivo de alento para continuar devotado ao serviço da pátria e à causa da reforma social, quero estar convosco em espírito e sentimento, participando das vossas alegrias, na data consagrada à exaltação do vosso esforço e heroísmo. Preferi dirigir-me a todos, aqui desta sala de trabalho, para vos levar, no recesso dos lares, onde mais prementes se fazem sentir as vossas necessidades, ou nas concentrações de praça pública onde vos reunis agora para ouvir a minha a palavra, a boa nova de que o governo vos fez justiça, atendendo aos vossos reclamos, aos vossos desejos, às vossas legítimas reivindicações%u201D. Qual a situação das classes trabalhadoras? Quem se preocupa com ela? Milhões de desempregados e desalentados, milhões de sobreviventes abaixo da linha de pobreza ignoram se a economia voltará a crescer e a gerar empregos. No regime presidencialista, o povo deposita as esperanças no presidente da República. Fora do reduzido perímetro da Praça dos Três Poderes, as coisas vão mal e a popularidade do governo começa a definhar. Restam pouco mais de 100 dias para o fim do ano e as festas do Natal. Como será 2020? Alguém se anima a antecipar?