Conforme divulgado pelos veículos midiáticos do país, o Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento das Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental 444 e 395, decidiu pela inconstitucionalidade da condução coercitiva para interrogatório. Decisão que detém caráter erga omnes (oponível a todos) e efeitos vinculantes (todos devem seguir).
Naquela oportunidade, a Suprema Corte entendeu que a condução coercitiva, quando utilizada para levar o investigado para prestar depoimento ou interrogatório, é incompatível com os preceitos constitucionais. Isso porque viola o princípio da não autoincriminação.
Tudo começou em 4 de março de 2016, quando o ex-presidente Lula foi ;forçado; a comparecer perante a Polícia Federal para prestar esclarecimentos em uma investigação. Para bem entender a questão, deve-se ter em mente que a Constituição Federal assegura a todos os indivíduos o direito de não produzir provas contra si mesmos, garantia que foi incorporada ao nosso ordenamento jurídico por força da internalização do Pacto de San José da Costa Rica.
Nesse sentido, tendo em vista que a todos é assegurado o direito de não autoincriminação, bem como de manter-se em silêncio durante a sua inquirição, como investigado ou acusado, é evidente que é contrária à Constituição a utilização de meios coercitivos para obrigar o indivíduo a depor.
Muito embora a decisão do Supremo Tribunal Federal seja acertada e cirúrgica na proteção às garantias constitucionais, não se pode deixar de assinalar que a prática jurídica tem evidenciado a utilização de outros institutos processuais para desobedecer ao entendimento da Suprema Corte de forma velada.
Na oportunidade em que o Supremo Tribunal Federal aplicou cartão vermelho à condução coercitiva para interrogatório, entrou em campo a prisão temporária para interrogatório, em clara subversão dos institutos processuais penais e em nítida tentativa de burlar a vedação advinda da Suprema Corte.
Apesar de as decisões proferidas nas ADPFs mencionadas acima tratarem, especificamente, da condução coercitiva, não se pode deixar de levar em consideração a ideia lançada pelo STF, bem como o alcance do entendimento formado.
Ora, não exige grande esforço cognitivo para que se alcance a ideia de que a condução coercitiva para interrogatório, ao ser declarada inconstitucional, não pode ser substituída por outro instituto que busque a mesma finalidade, porquanto igualmente inconstitucional. Em se tratando da prisão temporária, deve-se enxergá-la com ainda mais reservas, tendo em vista que se apresenta como medida excepcional e com maior caráter invasivo.
Em verdade, as autoridades, uma vez impedidas de conduzirem coercitivamente o investigado para prestar depoimento, passaram a representar pela prisão temporária ; que, de forma surpreendente, vem sendo autorizada pelos juízes ; alcançado verdadeiramente o mesmo objetivo anterior.
Ocorre que, em que pese a decisão da Suprema Corte trate, em específico, da condução coercitiva, não se pode permitir a utilização de outros institutos jurídicos, de forma subvertida, para o alcance do que já não é mais permitido.
A grande dificuldade se apresenta no prazo da prisão temporária, que, por ser de até cinco dias, prorrogáveis por igual período, obstaculiza as defesas de levarem as decisões judiciais de decretação da prisão para serem revistas pelos tribunais e, se for o caso, constatarem a ilegalidade mascarada.
É justamente essa a inteligência da manobra engendrada pelas autoridades: decretar a prisão temporária de investigados e conseguir ouvi-los antes que seja tomada qualquer medida que os impeça.
A título de exemplo, tem-se recente decisão do ministro Gilmar Mendes, que restituiu a liberdade do empresário Antônio Venâncio Silva Júnior, após ter a prisão temporária decretada, acolhendo a tese defensiva de que a segregação cautelar teria ocorrido apenas para que os acusados fossem ouvidos, em claro descumprimento do entendimento proferido pela Suprema Corte.
É certo, portanto, que não se pode admitir que as autoridades subvertam a utilização de importantes institutos processuais penais, como a prisão temporária, com o intuito de realizar, ao arrepio do que decidiu o STF, verdadeira condução coercitiva para interrogatório.
O STF fechou a porta para a condução coercitiva para interrogatório, porém, ainda é preciso vedar as janelas a fim de que a condução coercitiva para interrogatório, vestida de prisão temporária, não siga afrontando a autoridade de sua decisão.