Roraima saiu da pauta dos jornais brasileiros. A crise política da Venezuela, também. O autoproclamado presidente Juan Guaidó não conseguiu sensibilizar seus compatriotas, nem mobilizar os chefes da oposição. Nicolás Maduro continua no comando do país, fazendo e desfazendo. Promove desgoverno digno de nota. Prende, tortura e censura. Exporta miséria, desalento e gente, muita gente, para toda a América do Sul. Promove uma catástrofe humanitária de bom tamanho, maior do que a que se abateu sobre os sírios.
A situação em Roraima é absoluta e totalmente crítica. Mas Boa Vista fica muito distante de Brasília, no Hemisfério Norte. Os jornalistas buscam notícias no Congresso Nacional e não na fronteira de Pacaraima, por onde entram, todos os dias, entre quatrocentos ou quinhentos venezuelanos. O Brasil constitui a última alternativa para os venezuelanos por causa do idioma. Aqui se fala português e eles falam espanhol. Os mais ricos há muito tempo venceram a barreira da língua e outros desafios e se transferiram para destinos mais atraentes, entre eles, o preferido é Miami.
Os remediados e com maior nível de escolaridade partiram para a Colômbia, que hoje é uma economia forte e conta com o generoso auxílio norte-americano. Há perspectiva de emprego lá.
Depois, o Peru, país mais pobre, porém com economia em crescimento acima de 3% ao ano na última década. A Argentina é longe e também está em crise. Resta a alternativa do Brasil, com suas crises e problemas. Os venezuelanos sofrem com a xenofobia dos brasileiros do norte. Eles não gostam da invasão que estão sofrendo dos vizinhos. Ainda assim, pobres, índios, negros e mulatos, sem alternativas no seu país nem nos vizinhos, recorrem à última esperança, Brasil.
O migrante que chega usualmente sem documentos é recebido na fronteira por organizações da Polícia Federal, Forças Armadas, agências da Organização das Nações Unidas e organizações religiosas. Ali eles são cadastrados, recebem documentos e são vacinados. Depois disso, entram numa fila para conseguirem vaga em um dos 13 abrigos. Em Boa Vista, ficam 11 deles (um deles para indígenas) e outros dois, em Pacaraima. Um pequeno e rápido detalhe: Pacaraima é uma cidade mínima, seria o que se chama de corruptela. Santa Elena do Uiarén, no lado venezuelano da fronteira, é maior. Local de comércio de ouro lavrado nos campos naquela região dominados pela polícia de Maduro. É a moeda utilizada na compra de alimentos para a Venezuela. Tem gente ganhando bom dinheiro vendendo gêneros alimentícios ao regime de Maduro.
Em toda guerra, alguém ganha muito. Perde o povo. Os migrantes venezuelanos são carentes. Idosos, famílias com crianças e doentes conseguem algum tipo de atenção maior. Nos abrigos, onde recebem acomodação, alimentação, local para lavar roupa, vivem cerca de 6.500 pessoas em Boa Vista. Eles têm direito de usar os banheiros e receber comida. Mais de 8 mil já foram interiorizados. Ou seja, enviados para os estados brasileiros. E outras 8 mil pessoas (números que aumentam diariamente) estão morando nas ruas de Boa Vista dormindo nos parques, nas ruas, debaixo das pontes e onde mais possa haver abrigo.
A prostituição aumentou muito em Boa Vista. As venezuelanas entraram no mercado. As escolas estão abarrotadas de gente. Não há mais espaço para ninguém. E o pessoal continua chegando. O Ministério da Educação não ajuda em nada. Os políticos locais são abertamente contrários à acolhida dos vizinhos. Eles preferem fechar a fronteira. A opção agora é mandar venezuelanos de ônibus para Manaus, onde há mais voos para diversos pontos do território nacional. Mas ninguém sabe o que fazer com a leva de migrantes que continua a aparecer diariamente na fronteira. Nicolás Maduro faz discursos pomposos, mas exporta suas mazelas.
Erros de governo custam muito caro. O ministro de Relações Exteriores decidiu apoiar Guaidó, na tentativa de enfraquecer e retirar Nicolás Maduro do poder. Ao assumir essa posição, o governo brasileiro tornou-se parte ativa da oposição. Perdeu a capacidade de diálogo com a administração do país vizinho. Não há perspectiva de solução rápida dos problemas na fronteira norte. Seguir as diretrizes norte-americanas e as idiossincrasias de Donald Trump resultou nessa tragédia. A diplomacia brasileira falhou absoluta e totalmente nesse episódio. Calculou mal, previu errado e agiu no sentido inverso das necessidades nacionais.