Venezuela: até quando?
O enredo traçado pela Venezuela nos últimos anos parece obra de ficção escrita por autor digno de figurar entre os laureados pela academia de Hollywood. Detentor de uma das maiores reservas de petróleo do mundo, gás natural e minérios (ferro, ouro, bauxita e diamantes), o país mata seus cidadãos de fome, doenças e tortura. O recente relatório da ex-presidente chilena Michelle Bachelet, do Alto Comissariado da ONU sobre Direitos Humanos, não apresenta novidades. Mas desnuda números que causam indignação às consciências civilizadas internacionais.
Eletrochoques, afogamentos, violência sexual, privação de água e comida, espancamentos, exposição a temperaturas extremas, sufocamento com sacos plásticos são violências que frequentaram o noticiário da América Latina na segunda metade do século passado. Argentina, Brasil, Chile, Paraguai,Uruguai viveram anos de chumbo que esperavam ficassem relegados às páginas da história. Não é, porém, o que se observa.
De janeiro de 2018 a maio de 2019, segundo o relatório Bachelet, pelo menos 6.856 venezuelanos perderam a vida por supostamente terem resistido à prisão. A cifra é contestada por organizações não governamentais, cujo cálculo totaliza 9.647. Tratam-se de execuções perpetradas por esquadrões da morte que invadem residências e, sem mandado, matam, estupram, prendem, torturam. Mais: poucas pessoas recorrem à Justiça por medo de retaliações.
As cifras desnudam a extensão da tragédia vivida pela nação vizinha. Desde 2013, o Produto Interno Bruto (PIB) decresceu 44%, e a inflação bateu em 3.000.000%. O salário mínimo, de U$ 7, é suficiente apenas para comprar 4,7% da cesta básica. Sete milhões de adultos e crianças ; a quarta parte da população ; têm necessidade de ajuda humanitária, cuja administração estatal peca por negligência e parcialidade. Quatro milhões sofrem de desnutrição. Outros 4 milhões emigraram sobretudo para os países limítrofes, Colômbia e Brasil.
Em Caracas, a situação da saúde é desesperadora. Há falta de 60% a 100% dos medicamentos essenciais. Em quatro meses, registraram-se nada menos que 1.557 óbitos em hospitais por falta de suprimentos. Familiares precisam prover água, luvas e seringas para os internos na tentativa de dar-lhes chance de sobreviver. Os apagões de março mataram 40 pessoas. Doenças erradicadas ou controladas voltaram com força total. É o caso do sarampo e da difteria. Contraceptivos são material de luxo. Resultado: as doenças sexualmente transmissíveis se alastram e a gravidez de adolescentes aumentou 65%.
O relatório Bachelet assusta, preocupa e indigna. Estranha o silêncio dos apoiadores do regime de Nicolas Maduro, sobretudo do PT, que nunca poupou esforços para aplaudir o chavismo. Passou da hora de se manifestar e pedir um basta ao terror que se alastra sem freios país afora. Por seu lado, como sugere o documento da ONU, é a vez do diálogo. A diplomacia desempenha papel vital no processo. Seja em foros internacionais, seja em foros regionais, as negociações têm de conduzir a um único fim ; a deposição do ditador.