Jornal Correio Braziliense

Opinião

Acima de qualquer suspeita

O caso estarrecedor de abusos sexuais em série no Guará nos alerta sobre as artimanhas de molestadores de crianças e adolescentes. Por ao menos 25 anos, o acusado agiu livremente, amparado por uma série de fatores: a máscara de religioso e professor, o carisma no trato com pais ou responsáveis, o ardil de travestir de brincadeiras a violência que cometia. As vítimas que ele fez dentro da própria família ; que foram a maioria, segundo as investigações ; se calaram para não impactar outros parentes ou por temor de que fossem desacreditadas ; o que, infelizmente, é uma realidade em muitos lares: duvidar dos relatos de quem foi abusado.

É realmente muito difícil identificar predadores sexuais de crianças que agem dentro da família ou na comunidade, porque, segundo especialistas no assunto, eles costumam ser afáveis, gentis, prestativos. A mãe de uma das vítimas no Guará disse, em relato publicado pelo Correio, que sempre achou estranho vê-lo andando com tantas crianças, ;mas ele era da igreja, como íamos imaginar?;, questionou. Outra fez declaração nessa mesma linha: ;Um dia, eu estava na igreja, e ele estava no altar, todo de branco. Não consegui imaginar aquele homem fazendo mal a ninguém;.

É justamente nessa carapaça de ;cidadão de bem; que abusadores se fiam. No caso desse do Guará, os disfarces eram perfeitos: catequista e professor de escolinha de futebol. Ou seja, acesso fácil a crianças, e sem levantar suspeitas.

Com as vítimas, que tinham entre quatro e 12 anos, ele também usou de argúcia. As menores, pela tenra idade, não tinham mesmo nenhuma noção de que eram abusadas. As maiores poderiam, em algum momento, até desconfiar de que algo estava errado, mas ele as fazia acreditar que participavam de brincadeiras. Também as iludia com doces, salgados, refrigerantes.

Se para crianças é muito difícil relatar os abusos, seja porque não entendem o que está acontecendo com elas, seja porque são ameaçadas, têm vergonha ou se sentem culpadas, cabe aos adultos identificar os sinais emitidos por elas: passam a ficar agressivas, têm comportamentos sexuais, queda de rendimento escolar, depressão, insônia ou falta de apetite.

Como já escrevi neste espaço, manter diálogo com as crianças é importante por si só, mas ganha relevância maior na prevenção ou na descoberta de violações. Orientação também é imprescindível. Pais ou responsáveis devem explicar para elas, por exemplo, quais são as partes do corpo que podem ou não ser tocadas por outras pessoas e questionar se alguém as trata de forma incômoda. Têm de ser conversas frequentes, mas cautelosas, claro.

Há um outro ponto importantíssimo em situações graves assim: quando crianças e adolescentes denunciam o crime, é preciso acreditar neles, apoiá-los, fazer com que se sintam seguros. Lembrá-los de que são vítimas, não culpados pela violência que sofreram. Desacreditá-los é revitimizá-los.