Na última semana, Sérgio Moro, ministro da Justiça, visitou a Agência de Combate às Drogas dos Estados Unidos, a DEA. Segundo relatou no seu twitter, o objetivo foi conhecer melhor o modelo de combate ao tráfico de drogas adotado no país e ;aprofundar os laços de cooperação policial;. Esse tipo de articulação entre agências de Justiça e policiamento brasileiras e estadunidenses ocorre há décadas, ainda que com pouca transparência. Uma pequena exceção a isso ocorreu por ocasião da chamada CPI do Narcotráfico em 2000 e na Audiência Pública da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado do Senado de 2004 que investigaram a ingerência de instituições como a CIA e a DEA nas polícias federais do Brasil, revelando uma dinâmica que envolvia repasse de recursos estrangeiros sem prévio conhecimento das autoridades políticas brasileiras.
Desde que o tema das drogas assumiu o centro da agenda de segurança pública e nacional dos Estados Unidos na década de 1970, a disseminação do modelo de ;guerra às drogas; tem sido uma importante frente da política externa desse país para a América Latina. A criação de unidades antidrogas dentro das instituições policiais da região, por exemplo, é fruto dessa lógica. Programas de financiamento, treinamento e fornecimento de equipamentos a agências de policiamento e de Justiça estrangeiros foram realizados pela Agência para o Desenvolvimento Internacional (USAID) vinculada ao Departamento de Estado dos Estados Unidos e, principalmente, pela DEA, criada em 1973.
Policiais federais, civis e militares estaduais, bem como juízes brasileiros continuam participando de uma série de programas de treinamento estadunidenses que objetivam promover mudanças no funcionamento do setor de segurança e Justiça do país, alinhado aos seus objetivos estratégicos de combate às drogas e outros crimes. De acordo com documentos revelados pelo Wikileaks, o próprio ex-juiz e atual ministro Sérgio Moro participou de um desses treinamentos em 2009, intitulado Projeto Pontes: Building bridges to brazilian law enforcement, que contou com a participação de dezenas de juízes estaduais e federais, bem como com mais de 50 agentes da polícia federal.
Nesse contexto de histórica cooperação, a pergunta que precisa ser respondida é: o modelo de combate às drogas que importamos dos Estados Unidos e continuamos a copiar responde às prioridades que o Brasil tem em termos de segurança?
Qualquer resposta a essa pergunta deve levar em conta os resultados inócuos desse modelo de guerra às drogas para os seus objetivos declarados. O consumo de drogas consideradas ilícitas aumentou enormemente nas últimas décadas no Brasil, o preço das principais drogas consumidas, por sua vez, teve quedas regulares, indicando alta disponibilidade. Enquanto isso, o país vivenciou um encarceramento em massa de jovens negros e pobres, parte deles pelo crime de tráfico, no mais das vezes com pequenas quantidades, o que deu origem a organizações criminosas de alta complexidade e poder, como o Primeiro Comando da Capital. A violência social, por sua vez, nunca foi tão alta e as próprias forças do Estado, com grandes segmentos corruptos, são responsáveis por parte significativa dos homicídios que ocorrem nas periferias das grandes cidades. De fato, não é possível ao menos mensurar o enorme custo humano e o gasto de recursos públicos que esse modelo impôs ao país ao longo das décadas. E tal quadro brasileiro é um retrato piorado do que acontece também nos Estados Unidos. Ou seja, nenhuma novidade no horizonte.
Na contramão das tendências mundiais, a nova política do governo Bolsonaro, publicada em 5 de junho, reforça esse contexto ao propor o aumento da punição ao tráfico, a internação involuntária, tratamento por abstinência e, por outro lado, exclui a abordagem de redução de danos, nega-se a estabelecer diferenciação clara entre usuário e traficante e fecha portas à possibilidade de se pensar a descriminalização do usuário ou a regulamentação da maconha.
Paralelamente, o grande tráfico internacional continua funcionando normalmente no âmbito das grandes esferas de poder, como demonstram a apreensão, em 2013, do helicóptero do então deputado estadual por Minas Gerais Gustavo Perrella, com 450 kg de cocaína, e o recente caso do sargento que, integrante da comitiva presidencial de Jair Bolsonaro rumo à cúpula do G20, foi flagrado na Espanha com 39 kg de cocaína.
Isso sugere que esse modelo de guerra às drogas precisa ser urgentemente substituído por outro. Uma série de alternativas têm sido pensadas e implementadas mundialmente. As iniciativas mais ousadas e promissoras nesse quesito vêm do nosso próprio continente. Uruguai, Canadá e diversos estados estadunidenses estão trilhando esse caminho com a regulação da cannabis, por exemplo. O ministro poderia mudar de ares em uma próxima missão internacional e visitar uma dessas localidades. Tudo indica que seria muito mais útil ao nosso país.