Ursula von der Leyen e Christine Lagarde figuraram no noticiário dos cinco continentes da semana passada. A razão: foram indicadas para ocupar postos-chaves da União Europeia. A primeira será presidente da Comissão Europeia. A segunda, presidente do Banco Central Europeu. Ambas são donas de currículo respeitável. Ursula é hoje ministra da Defesa da Alemanha. Christine, presidente do Fundo Monetário Internacional (FMI), foi ministra das Finanças, Indústria e Emprego e ministra do Comércio Exterior da França. Apareceu várias vezes como uma das 100 mulheres mais influentes do mundo em lista preparada pela revista Forbes.
Embora todos lhes reconheçam o preparo para o exercício do cargo, chamou a atenção o destaque que se deu ao gênero. O fato de serem mulheres reverberou mais que a exitosa carreira que trilharam. Não é difícil entender que o foco dos holofotes se deve ao ineditismo de assentos tradicionalmente ocupados por homens passarem ao comando feminino. À medida que o fenômeno se banalizar, o interesse mudará de direção. Recairá sobre projetos, capacidades e competências para enfrentar os desafios da função. É questão de tempo.
As notícias e as imagens divulgadas no quotidiano da mídia deixam claro um avanço civilizatório sem volta. Trata-se da ascensão feminina na sociedade. A escolha de Ursula von der Leyen e Christine Lagarde constitui mais uma prova de que ficou relegada à poeira do tempo frase do padre Antônio Vieira, do século 16, mas vigente até há pouco. ;A mulher;, escreveu ele, ;só deve sair de casa em três ocasiões: no batizado, no casamento e no enterro.; A revolução dos costumes reduziu as diferenças perante a lei e a sociedade. O trabalho serve de exemplo.
Profissões por elas exercidas eram extensão das tarefas do lar. Professora, enfermeira, médica, psicóloga fazem o papel de mãe ; acolhem, cuidam, educam. Domésticas, secretárias, costureiras, comerciárias também seguem o script feminino ; administram a casa, zelam pela ordem e pelo conforto dos que dela dependem. Cidadãs de classe inferior, a maior parte delas só no século 20 conquistou o direito ao voto. O mercado de trabalho precisou lhes abrir portas em razão da carência de mão de obra masculina, fruto sobretudo de guerras.
O movimento feminista da segunda metade do século passado traçou uma rota sem volta. Mulheres foram às ruas, desfilaram barrigas grávidas, queimaram sutiãs em praça pública em nome da igualdade. Resultado: ocuparam a maior parte dos bancos universitários, elegeram-se para o Legislativo e o Executivo, vestiram togas, assumiram a presidência de empresas, desfilaram com a faixa presidencial. Até redutos assumidamente machistas, como as Forças Armadas, incluíram saias em suas fileiras. Mas a balança ainda está em desequilíbrio. Até quando? O dia em que Ursulas e Christines deixarem de ser manchete com referência ao gênero, os pratos estarão nivelados.