Sugiro ao caro leitor um exercício mental. Doloroso, é verdade. Imagine-se um estudante em um país onde o governo comanda movido por ideologia. A economia de sua nação está em frangalhos. Falta quase tudo e a dignidade está por um fio. Sem fornecimento de gás há três meses e sem dinheiro para fazer refeições fora, um luxo absurdo, você e seus vizinhos saem às ruas para protestar. Os policiais chegam e começam a disparar gás (não o de cozinha, tão necessário, mas o lacrimogênio), além de balas de chumbinho de plástico. Um deles coloca a escopeta contra o seu rosto e aperta o gatilho 52 vezes. Pasmem! São 52 tiros. Você sangra sem parar e, ao chegar ao hospital, percebe que perdeu os olhos. Foi o que aconteceu com o estudante Rufo Chacón, 16 anos, em Táchira (Venezuela). Dias antes, um capitão de corveta de nome Rafael Costa Arévalo morreu após sessão de tortura na prisão.
Governos que se revestem de culto à personalidade e se escondem atrás de uma espécie de messianismo, como o de Nicolás Maduro e sua revolução bolivariana, fustigam a democracia e condenam a população a uma vida de silêncio e de amargura. O mesmo ocorre na Coreia do Norte, onde o regime de Kim Jong-un utiliza da execução extrajudicial como medida para impor medo e subserviência à população. Quando estive na Zona Desmilitarizada, em 2016, percebi o grau de manipulação do governo sobre o povo. De uma colina, era possível enxergar vilarejos na Coreia do Norte e visualizar monumentos a Kim Il-sung, avô do atual ditador e fundador do Estado comunista. Alto-falantes endeusavam os líderes.
Engana-se quem pensa que a tirania, a antidemocracia e o horror façam parte apenas da esquerda. A manipulação das massas e o populismo, encavalado em uma ideologia compacta e coesa, não escolhem tendências políticas. O nazismo de Adolf Hitler nasceu assim. O fanatismo ariano da Ku Klux Klan também. A obediência cega a grupos terroristas, idem. É preocupante quando líderes de democracias consolidadas, como o americano Donald Trump, cortejam ditadores, como Kim Jong-un. É triste quando estadistas elegem a imprensa como inimiga pública.
Qualquer nação corre o risco de se tornar antítese da democracia. Principalmente quando estremece os pilares do Estado de direito e coloca em xeque as liberdades civis, entra elas o acesso à informação. E quando trata o seu líder quase como entidade divina. Que o mundo possa vislumbrar um horizonte além da cegueira ideológica ou religiosa. Por Rufo Chacón, por Rafael Arévalo e por tantas outras vítimas do poder e do fanatismo.