Jornal Correio Braziliense

Opinião

Lei existe, falta efetividade

Dia desses, vi uma mãe esbravejando contra uma criança numa parada de ônibus. Fui até lá. No momento em que me aproximava, ela desferia tapas na boca do menino, que não tinha mais do que 3 anos. Pedi que parasse. Ela atendeu, mas estava muito irritada. Disse que o garotinho tinha cuspido em alguém. Respondi que, além do absurdo de ela machucar uma criança ; o próprio filho ;, o que fazia era proibido por lei. A mulher, claro, se saiu com o infame e batido argumento de que se ela não ;educar; agora, no futuro, quem o ;educará; será a polícia.

A agressora ainda deu bronca no filho mais velho, de uns 6 anos, por consolar o irmão, e mandava o pequeno ;engolir o choro; ; como odeio essa expressão! Eu questionei: ;Como você quer que ele pare de chorar se você o machucou?;. E a mãe: ;Ele não se machucou, chora de vergonha;. Juro que me deu uma vontade danada de mostrar para aquela mulher como dói levar tapas na boca! Tentei manter a calma e segui na minha tentativa de convencê-la da crueldade e da ilegalidade de bater para ;corrigir;. Só então me dei conta de que a parada estava cheia, era horário de pico, e ninguém se moveu para ajudar a criança. A única manifestação foi de uma jovem, para reclamar de mim, dizer que eu estava ;exagerando;.

É por causa de posturas como a daquelas pessoas na parada de ônibus que tantas crianças sofrem maus-tratos sem receber socorro. Impera no Brasil a medonha cultura de que os pais têm o direito de bater para educar, de que ;ninguém deve se meter na criação dos outros; ; como já ouvi tantas vezes. A banalização da violência contra os pequenos deu respaldo àquela mulher para agredir o menino mesmo em local público. Ela tinha a convicção de que ninguém ia interferir, porque o filho é dela e quem manda nele é ela.

Na quarta-feira, a Lei Menino Bernardo completou cinco anos. Ela determina que crianças e adolescentes têm o direito de ser educados sem uso de castigos físicos. O texto é um importante instrumento de proteção, mas falta efetividade. Um dos artigos prevê que a União, os estados, o DF e os municípios deverão atuar de forma articulada na elaboração de políticas públicas para coibir essa violência. Uma das providências, segundo a lei, é ;a promoção de campanhas educativas permanentes para a divulgação do direito da criança e do adolescente de serem educados e cuidados sem o uso de castigo físico;. Mas cadê as campanhas permanentes?

Cidadãos, órgãos de proteção, Justiça e Estado têm o dever ; determinado, inclusive, pela Constituição ; de zelar pelo bem-estar de crianças e adolescentes. Quando um desses elos se omite, quem paga caro é justamente a parcela mais vulnerável da nossa população. O preço pode ser a própria vida, como vimos no violento espancamento de quatro irmãos em Planaltina de Goiás, que culminou na morte de uma menina, e no suplício de Rhuan, durante longos cinco anos, até o assassinato brutal e covarde dele, em Samambaia. Houve falha gravíssima na rede de proteção, mas quem pagou foram os inocentes.