Conheci Pequim no mês passado. Fiquei lá por duas semanas. Com mais de 20 milhões de habitantes, para onde se olha a paisagem, é impressionante. Prédios enormes, de estilos variados, avenidas largas, trânsito ao mesmo tempo caótico e organizado, segurança absoluta, um guarda em cada esquina, cidade limpa, arborizada, cheia de canteiros, inclusive de rosas. Não há mendigos, pedintes ou coisa parecida. Transportes pessoal e coletivo impecáveis. Metrô, ônibus elétricos, articulados, além de Ferrari, Tesla, Rolls Royce e tudo que há de melhor no mundo passeia pela cidade. As pessoas são vestidas normalmente. Simpáticas, alimentadas. Vida noturna, do pouco que conheci, rivaliza com qualquer cidade do Ocidente. Enfim, a China com seu capitalismo comunista é um espanto.
Impossível não se lembrar do ocorrido há 45 anos. Na qualidade de repórter, assisti, em Brasília, à solenidade de restabelecimento de relações diplomáticas entre Brasil e China, em 1974. O ministro de Relações Exteriores era Azeredo da Silveira, o Silveirinha, seu assessor de imprensa era Luís Felipe Lampreia, os dois já falecidos. Naquela época, o produto interno do Brasil tinha valor superior ao da China. Hoje, não há comparação. Os chineses já são a segunda economia do mundo, na frente de Alemanha e Japão. Devem alcançar o primeiro lugar dentro de no máximo 20 anos, para desespero dos norte-americanos. O Brasil parou.
Em quatro décadas, tudo mudou. Nós aqui continuamos a discutir detalhes e a esquecer o principal, que é crescer, criar empregos, abrir a mente para os ganhos da tecnologia e investir em educação. Amigo meu esteve recentemente em Nova York para confraternizar com parente que se formava numa turma de 500 arquitetos. Mais da metade eram chineses. Aliás, a meta na China para os próximos 10 anos é formar 70 milhões de bacharéis. Isso mesmo, 70 milhões. Lá tudo se conta nessa magnitude. O país não mais é rural. Mais da metade da população já está em área urbana. Se cada um dos 700 ou 800 milhões de chineses gastar 10 dólares por dia, significa um mercado consumidor maior do que toda a Europa. É o que ocorre hoje.
Antes de viajar, li o espetacular trabalho de Henry Kissinger, Sobre a China, editora Objetiva. Quem quiser estudar o Império do Meio deve começar por brilhante estudo sobre a personalidade do chinês, a maneira de agir e dos objetivos de seu governo. O país possui o maior exército do mundo (2,5 milhões de soldados), mas não é beligerante. Gosta de projetar seu poder. E, nos últimos 20 séculos, em apenas dois deixou de figurar como a maior economia do planeta. Precisamente nos séculos 19 e 20, quando se abriu para os estrangeiros. Obra interessante também é O homem que amava a China, de Simon Winchester, Companhia das Letras, que trata da fantástica história de Joseph Needham, excêntrico cientista inglês que desvendou os mistérios do Oriente. Produziu obra notável, de sete volumes, Ciência e civilização na China, publicada por Cambridge University Press.
Tanto Kissinger quanto Needham insistem em que tudo o que se chamou de moderno depois do fim da Idade Média no Ocidente já existia na China há séculos. O ábaco, uma máquina de calcular, é coisa de 2 mil anos atrás. Pólvora, bússola, instrumentos de navegação são conhecidos naquelas bandas há muito tempo. Aliás, os chineses iniciaram as grandes navegações. No século 15, chegaram à África. Alguns historiadores sustentam que eles alcançaram a costa oeste do atual Estados Unidos. Projetar um futuro radioso é a tarefa do presidente da China, o poderoso Xi Jinping. Ele estima que, até 2040, não haverá um chinês pobre. É por essa razão que eles lançaram um programa chamado Belt and Road ; cuja melhor tradução seria a nova rota da seda.
O projeto é investir pesadamente em obras de infraestrutura, portos, ferrovias e rodovias, para alavancar monumental corrente de comércio cujo epicentro venha a ser a China. Ou seja, ligar a Europa à Ásia. E o resto do mundo, por gravidade. O Brasil entra nessa operação como fornecedor de alimentos e matéria-prima. E também como importador. A China tem 21% da população mundial. Sua receita é crescer sempre, sem perturbação social. Seria perder tempo. É fundamental criar empregos e lutar contra a poluição (em Pequim, as pessoas usam máscaras). O regime político é de partido único, que implica jornal único e pensamento único. Tudo isso, passado, presente e futuro, fazem da China o grande enigma dos nossos tempos. Aqui, nesta desolada esquina do mundo, nos resta observar de muito longe (são 23 horas de voo) o fenômeno.