Opinião

A bomba-relógio do consumismo

postado em 09/06/2019 04:05

Agricultura, alimentação, nutrição, saúde e clima são temas interdependentes, que precisarão ser tratados de forma integrada para almejarmos um padrão de desenvolvimento sustentável no futuro. A economia global tem se comportado como se os recursos materiais do planeta fossem ilimitados, consumindo biomassa, combustíveis fósseis e minerais em volumes que chegam a 90 trilhões de toneladas anualmente, ou três vezes o volume extraído em 1970. Pelas tendências atuais, estima-se que o uso de recursos materiais globais duplicará até 2050, colocando em sério risco a base de recursos naturais do planeta e, por consequência, os sistemas alimentar, de saúde e o bem-estar da sociedade.

Hoje nos damos conta de que não é mais possível sustentar um modelo econômico baseado no consumo sem limites, com elevação dos níveis de poluição e desgaste das reservas de recursos essenciais ; solo, água e biodiversidade ; a patamares perigosos. Esse modelo é gerador de resíduos e rejeitos em volumes e complexidade crescentes, por causa do número e da diversidade de produtos que chegam aos mercados diariamente. Como apenas uma fração do lixo e dos descartes tem sido coletada e reciclada, enormes volumes de rejeitos estão se acumulando por todo o planeta, com crescentes riscos para o meio ambiente, a saúde e o bem-estar das pessoas.

A escalada no consumo e sua relação com o desperdício precisam ganhar a atenção das lideranças e dos formuladores de políticas públicas. A Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) alerta que um terço dos alimentos produzidos em todo o mundo é desperdiçado. Estudo recente liderado pela Embrapa mostra que o desperdício anual no consumo familiar no Brasil chega, em média, a 41kg de alimentos por pessoa, o equivalente a R$ 323, sem contar o custo do preparo, com energia e outros recursos. Os valores serão ainda maiores se considerarmos perdas em restaurantes, empresas, hotéis e escolas. A mesma FAO estima que a América Latina desperdiça, em média, 127 milhões de toneladas de alimentos a cada ano, a um custo próximo a US$ 100 bilhões.

Muitos acreditam que o desenvolvimento tecnológico nos permitirá alcançar novos patamares de eficiência no uso de recursos, levando a reduções na sua demanda e uso. No entanto, um estudo recente do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) demonstrou exatamente o contrário. Pesquisadores estudaram dezenas de bens e cadeias de valor para concluir que, apesar das enormes melhorias tecnológicas em produtos e processos, foram poucos os casos em que a inovação tecnológica tenha levado à redução de consumo. Na maioria das vezes, o efeito da inovação tecnológica é inverso, tornando custos de produção menores, viabilizando a produção em larga escala e, quase sempre, a ampliação do consumo.

Portanto, a mudança tecnológica precisa vir acompanhada de mudança cultural e social, todas associadas a formas criativas de transição para novo modelo econômico. Uma possibilidade é a economia circular, que nasce inspirada na própria natureza, na qual nada é perdido ou desperdiçado. A longevidade e a resiliência dos ecossistemas derivam exatamente dos ciclos naturais de reciclagem de recursos, como numa floresta, em que múltiplas espécies interagem e se alternam de forma harmônica. Por mimetizar a natureza, a economia circular poderá ajudar a consolidar na sociedade um modelo mais inteligente de produção e consumo, baseado em três verbos: reduzir, reutilizar e reciclar.

Felizmente, um número crescente de pessoas já percebeu que há uma bomba-relógio a ser desligada. E também que é muito arriscado seguirmos em direção ao futuro conformados com o acúmulo de problemas gerados pelo consumo exagerado e imprudente. A escalada da obesidade, que afronta países pobres e ricos, já consolida a visão de que não é preciso consumir muito para ter uma vida saudável. Países já criminalizam a obsolescência planejada, técnica usada para reduzir deliberadamente a vida útil dos produtos, forçando o consumo. A economia compartilhada cresce em todos os lugares, com escritórios, automóveis, bicicletas, estadias, roupas, entretenimento, que servem a múltiplos usuários. Mas medidas fiscais inovadoras, como taxação do consumo exagerado e incidência de impostos de forma proporcional à produção de resíduos, rejeitos e poluentes nas residências e indústrias, precisam ainda ganhar espaço nas agendas de líderes e legisladores.

Precisamos nos dar conta de que há crescente mobilização por um paradigma de desenvolvimento que nos afaste do modelo econômico baseado em extração de matérias-primas, fabricação, uso e descarte. Economia circular, economia colaborativa, economia criativa, economia verde e bioeconomia denominam algumas das iniciativas de redesenho da velha economia e sinalizam o desejo de releitura do paradigma econômico baseado na concentração de riqueza, no consumo de massa e na exploração imprudente e não sustentável de recursos não renováveis.

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