Falta chegar à população de forma mais ampla, ou pelo menos aos manifestantes que atacaram Rodrigo Maia (DEM-RJ) ontem, em protestos pelo país, a percepção de que o presidente da Câmara é quem de fato encabeça o movimento que pode levar à aprovação da reforma da Previdência e de outras que se fizerem necessárias, como a tributária, já em andamento, apesar do governo. Ainda resta saber, claro, se a proposta pretendida pela equipe do ministro Paulo Guedes, de economia acima de R$ 1 trilhão em 10 anos, a que resultará de fato das articulações conduzidas por Maia. Amigo de Guedes, ele promete ao ministro que o Congresso aprovará uma reforma robusta.
Até aqui, as mudanças que Maia defendeu na proposta, envolvendo o BPC e aposentadorias rurais, beneficiam os mais pobres. Na questão da capitalização, em que também diverge de Guedes, o ministro ainda não deu explicações convincentes sobre as vantagens de adoção do novo modelo. Uma coisa, porém, está evidente: no primeiro escalão do governo, à exceção de Guedes e equipe, ninguém parece de fato empenhado nas mudanças que podem ajudar o Brasil a retomar o crescimento de forma sustentável. Muito pelo contrário: precisa ficar mais claro qual o papel desempenhado pelo PSL, partido do presidente Jair Bolsonaro.
Enquanto fazem jogo de cena, sobretudo na internet, acusando a ;velha política; de sabotar a reforma, integrantes do PSL também agem para tentar garantir privilégios a policiais e outros agentes de segurança. É uma contradição: o objetivo central de Guedes é justamente torpedear o atual sistema, uma fábrica de transferência de renda dos menos favorecidos para a elite do funcionalismo público. Dados de 2018 mostram o tamanho da disparidade: a aposentadoria de um trabalhador urbano da iniciativa privada era, em média, de R$ 1.129. Já o valor médio recebido por um servidor inativo do Legislativo chegava a R$ 26.823. Vinte e três vezes mais!
Na semana passada, ao participar de seminário promovido pelo Correio e o Estado de Minas sobre a reforma da Previdência, Guedes deu outro exemplo de como as prioridades no Brasil estão pelo avesso. Os números apresentados por ele confirmam a perversa anomalia e não deixam dúvida sobre a necessidade de uma radical mudança: hoje, as despesas com a Previdência chegam a R$ 750 bilhões por ano, enquanto os investimentos em educação não passam de R$ 70 bilhões. ;O sistema está quebrado. Daqui a 40 anos, serão dois jovens para cada idoso. Aí o avião vai cair para nossos filhos e netos. Não podemos seguir com essa ameaça;, alertou Guedes.
Como consertar esse modelo sem simplesmente sacrificar os aposentados nem condenar os jovens a não terem futuro? O desafio está posto. Maia, que também participou do seminário, tem plena consciência da gravidade da situação. ;O custo da administração pública é responsável por parte dos nossos problemas. Boa parte dos melhores servidores do país estão na Câmara. Temos orgulho, mas é caro;, disse. Ele sabe que não há saída para o Brasil sem a reforma e reconhece que ;será preciso coragem; para aprovar o fim dos privilégios. Terão os parlamentares do PSL, em um momento tão crucial para o país, a coragem de votar contra o poderoso lobby das forças de segurança? Ou vão continuar apenas fazendo jogo de cena?