Mais de 100 pessoas morreram, e mais de 4 mil ficaram feridas, nas duas grandes explosões ocorridas no porto de Beirute, na terça-feira (4/8), e que devastaram bairros inteiros da cidade - aponta um novo relatório divulgado nesta quarta pela Cruz Vermelha Libanesa.
"Até agora, mais de 4 mil pessoas ficaram feridas, e mais de 100 perderam a vida. Nossas equipes ainda estão realizando operações de busca e salvamento nas áreas circundantes", afirmou o comunicado da Cruz Vermelha.
Declarada "cidade sinistrada" pelo Conselho Superior de Defesa, a capital libanesa acordou em choque e enlutada.
De acordo com o governo, de 250 mil a 300 mil pessoas estão desabrigadas. Até o momento, os danos estão estimados em mais de US$ 3 bilhões e atingem quase metade da cidade de Beirute.
"Dei uma volta por Beirute. Os danos podem chegar a entre US$ 3 bilhões e US$ 5 bilhões", disse à AFP o governador Marwan Abbud, acrescentando que está à espera da avaliação de especialistas e engenheiros.
"Quase metade de Beirute está destruída, ou danificada", afirmou.
A potência das explosões foi tão intensa que os sensores do Serviço Geológico dos Estados Unidos (USGS, na sigla em inglês) as registraram como um terremoto de 3,3 pontos na escala Richter.
A onda de choque dessas deflagrações foi sentida até na ilha do Chipre, a mais de 200 quilômetros de distância,
No epicentro da tragédia, o panorama é apocalíptico: lixeiras parecem latas de conserva retorcidas, e carros estão incinerados pelas ruas.
Com a ajuda de policiais, os socorristas passaram a noite em busca de sobreviventes e mortos sob os escombros.
Dia de luto nacional
O primeiro-ministro Hassan Diab decretou dia de luto nacional para esta quarta-feira.
Ontem, ele afirmou que as explosões foram causadas pela detonação de 2.750 toneladas de nitrato de amônia.
A substância é um sal branco e inodoro, usado na composição de certos tipos de fertilizantes na forma de grãos, altamente solúveis em água. Também é usado na fabricação de explosivos e já causou vários acidentes industriais.
Antes, o diretor da Segurança Geral, Abbas Ibrahim, havia dito que as explosões poderiam ter sido causadas por "materiais altamente explosivos confiscados há anos", mas acrescentou que uma investigação determinará a "natureza exata do incidente".
"É inadmissível que um carregamento de nitrato de amônia, estimado em 2.750 toneladas, esteja há seis anos em um armazém, sem medidas preventivas. Isso é inaceitável e não podemos permanecer em silêncio sobre o tema", declarou o primeiro-ministro durante a reunião do Conselho Superior de Defesa.
Diab prometeu que os responsáveis deverão "prestar contas" e pediu ajuda aos "países amigos" do Líbano.
Hospitais saturados
Por volta das 18h locais (12h, horário de Brasília), uma primeira explosão foi ouvida em Beirute, seguida de outra muito mais potente. Os edifícios tremeram, e os vidros das janelas quebraram em um raio de vários quilômetros.
Os hospitais da capital, que já lidam com a pandemia do coronavírus, estão saturados.
A ONU afirmou que vários capacetes azuis ficaram gravemente feridos a bordo de um barco atingido pelas explosões. Membros da embaixada da Alemanha também ficaram feridos, segundo Berlim.
Nas ruas de Beirute, soldados evacuavam moradores atordoados, muitos ensanguentados, com camisas atadas ao redor da cabeça para conter os ferimentos.
Em uma das entradas do porto de Beirute, uma jovem corria gritando o nome do irmão desaparecido.
Vários carros e ônibus foram abandonados no meio das estradas. Diversas lojas nos arredores do porto ficaram destruídas.
"É uma catástrofe. Existem corpos no chão. Ambulâncias estão pegando os corpos", disse à AFP um soldado próximo ao porto.
Um homem chorava enquanto perguntava a um militar pelo paradeiro do filho, que estava no porto no momento das explosões.
Várias horas após a tragédia, helicópteros seguiam despejando água do mar para tentar conter as chamas.
As forças de segurança isolaram a região portuária. O acesso está autorizado apenas para os serviços de Defesa Civil, as ambulâncias e os bombeiros.
Fotos publicadas nas redes sociais mostram danos no interior do terminal do aeroporto de Beirute, situado a nove quilômetros de distância do local das explosões.
"Foi como uma bomba atômica. Já vi de tudo [na vida], mas nada igual a isso", declarou à AFP Makruhie Yerganian, um professor aposentado que vive há mais de 60 anos na região portuária.
Apoio do exterior
Uma testemunha disse que a explosão foi "mais forte que a do assassinato de Rafik Hariri", alvo de um atentado espetacular com um furgão repleto de explosivos que atingiu o comboio do então primeiro-ministro em 14 de fevereiro de 2005.
O mandatário e outras 21 pessoas morreram no ataque, e outras 200 ficaram feridas. A explosão causou chamas de vários metros de altura e quebrou os vidros das janelas de edifícios em um raio de meio quilômetro.
A tragédia desta terça-feira se soma à já difícil situação do Líbano, que atravessa a pior crise econômica em décadas, marcada por uma depreciação cambial sem precedentes, hiperinflação e demissões em massa que alimentam a agitação social há vários meses.
No exterior, uma onda de solidariedade surgiu.
No Twitter, o presidente Emmanuel Macron anunciou o envio de um destacamento de segurança civil e de "várias toneladas de material sanitário" a Beirute, assim como a chegada de médicos "o quanto antes".
Canadá, Reino Unido e Estados Unidos também se declararam dispostos a ajudar o povo libanês.
Apesar de estar tecnicamente em guerra com o Líbano, Israel ofereceu "ajuda humanitária e médica ao governo libanês", em meio a novas tensões entre os dois Estados vizinhos.