As fibras ópticas são recursos muito utilizados na engenharia e na eletrônica e têm papel importante em uma série de tarefas, principalmente na troca de dados. Cientistas brasileiros desenvolveram uma nova versão dessa tecnologia que tem como matéria-prima um produto natural e comestível: as algas marinhas. Os investigadores produziram as fibras, que geralmente são feitas de plástico ou de vidro, com o ágar, gelatina extraída das algas e muito usada na cozinha profissional. Segundo eles, o produto poderá ser explorado principalmente na área médica, em tarefas como a radioterapia e a entrega localizada de medicamentos.
Os criadores do projeto são cientistas da Universidade de Campinas (Unicamp), em São Paulo. O grupo tem trabalhado no desenvolvimento de fibras ópticas especiais de vidro e polímero, destinadas principalmente a aplicações em sensoriamento físico e químico. Faltavam, porém, projetos voltados para aplicações médicas. A equipe brasileira acaba de apresentar essa solução na revista especializada Scientific Reports.
“Embora existam trabalhos no exterior relacionados à fabricação de fibras ópticas biocompatíveis — feitas de seda e hidrogéis, por exemplo —, poucas pesquisas abordam a produção de dispositivos para transmissão de luz à base de materiais comestíveis e biodegradáveis, o que viabilizaria a sua aplicação no interior do corpo humano”, explica ao Correio Eric Fujiwara, professor da Escola de Engenharia Mecânica da Unicamp e um dos autores do trabalho. “Assim, desenvolvemos, em cooperação com a Universidade de Gunma, no Japão, a primeira fibra óptica microestruturada, biodegradável e comestível do mundo utilizando ágar como matéria-prima”, completa.
O ágar, também chamado de ágar-ágar, é composto por uma mistura de dois polissacarídeos: agarose e agaropectina. No processo de produção da fibra óptica, os cientistas despejaram a matéria-prima natural em um molde com seis hastes internas, posicionadas ao redor de um eixo principal. O gel distribuiu-se para preencher o espaço disponível. Após o resfriamento, as hastes foram removidas, formando, assim, buracos de ar. “Nossa fibra óptica é um cilindro de ágar com diâmetro externo de 2,5mm e um arranjo interno regular de seis furos cilíndricos de 0,5mm em torno de um núcleo sólido. A luz é confinada devido à diferença entre os índices de refração do núcleo de ágar e os furos”, detalha Fujiwara.
Os pesquisadores testaram a fibra em diferentes meios — água, etanol e acetona — e concluíram que ela é sensível aos diferentes contextos. “O fato de o gel sofrer alterações estruturais em resposta a variações de temperatura, umidade e pH torna a fibra adequada para a detecção óptica”, enfatiza Fujiwara.
Monitoramento
Além da detecção óptica, os pesquisadores explicam que a nova tecnologia poderá facilitar procedimentos médicos variados. “A fibra de ágar poderia ser utilizada como um endoscópio ou para fotoestimulação em optogenética sem a necessidade de remover o dispositivo de dentro do corpo humano após o uso, uma vez que ele seria completamente absorvido com o tempo, reduzindo as intervenções cirúrgicas e os riscos envolvidos” exemplifica o cientista. “Devido à alta sensibilidade, a fibra de ágar poderia ser utilizada também como sensor bioquímico de baixo custo, auxiliando no monitoramento e no tratamento de doenças, por exemplo”, completa.
Outra aplicação promissora da tecnologia é o uso simultâneo como sensor óptico e meio de crescimento para micro-organismos. “Nesse caso, essa fibra poderia ser usada como um recipiente para uma amostra descartável. As células imobilizadas no dispositivo seriam detectadas opticamente, e o sinal seria analisado usando uma câmera ou espectrômetro”, explica Fujiwara.
Bruno Luis Soares de Lima, professor no curso de engenharia elétrica da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo, destaca que o trabalho brasileiro é importante por mostrar uma série de aplicações para um produto muito usado na área de engenharia. Ele ressalta que a tecnologia pode render frutos principalmente na área médica. “A fibra óptica é muito usada na área de comunicação, pois ajuda na troca de informações, como na internet, e também na área de sensores e de iluminação, o que faz dela um recurso com grande mercado. Faz sentido investir nesse tipo de produto, mas acredito que a maior vantagem dessa tecnologia feita de ágar seria em procedimentos médicos, como exames”, afirma. “Em muitas tarefas realizadas dentro da área de saúde, é necessário iluminar o corpo. Tendo materiais que são biocompatíveis e que, se ficarem dentro do corpo por muito tempo, não gerariam prejuízos, essas tarefas poderiam ser feitas com muito mais segurança e eficácia”, explica.
“Poucas pesquisas abordam a produção de dispositivos para transmissão de luz à base de materiais comestíveis e biodegradáveis, o que viabilizaria a sua aplicação no interior do corpo humano”
Eric Fujiwara, professor da Escola de Engenharia Mecânica da Unicamp e um dos autores do trabalho
Mexendo com os neurônios
Ao receber a aplicação de uma proteína, os neurônios passam a reagir à luz. Dessa forma, cientistas podem intervir no comportamento de células cerebrais. Busca-se tratar doenças como Parkinson, depressão e epilepsia por meio dessa técnica, que também é explorada em estudos dos circuitos cerebrais.