A hidroxicloroquina e a cloroquina — drogas comumente usadas no tratamento da malária e apontadas, no início da pandemia da covid-19, como potencial terapia contra a doença — foram testadas em mais de 80 estudos clínicos registrados. Em culturas celulares, elas demonstraram inibir a infecção por Sars-CoV-2. Porém, a eficácia no tratamento de pacientes foi debatida, a ponto de a Organização Mundial da Saúde (OMS) suspender as pesquisas que financiava com essas drogas e de muitos países as retirarem do protocolo padrão.
Dois estudos publicados na edição desta semana da revista Nature acrescentam evidências de que essas substâncias não têm ação contra a covid-19. Em um deles, o pesquisador Roger Le Grand, da Universidade de Paris-Saclay, e colegas investigaram os efeitos do tratamento com hidroxicloroquina em macacos cynomolgus, um modelo de primata não humano da infecção por Sars-CoV-2.
A substância não mostrou atividade antiviral substancial, independentemente do momento do início do tratamento: antes da infecção, logo após ela ou tardiamente. Além disso, o uso desse medicamento antimalárico em combinação com a azitromicina, um antibiótico, também não teve efeito notável nos níveis de vírus nos macacos. “Nossas descobertas não apoiam o uso de hidroxicloroquina, sozinha ou em combinação com a azitromicina, como tratamento antiviral para covid-19 em humanos”, afirmaram os pesquisadores.
Faltou enzima
Em um estudo separado, Stefan Pöhlmann e outros cientistas do Instituto de Primatologia da Universidade de Göttingen, na Alemanha, descobriram que a cloroquina não tem atividade antiviral contra o Sars-CoV-2 em células pulmonares humanas. Eles explicam que, em experimentos anteriores, as células usadas para demonstrar um efeito positivo para a substância não tinham uma enzima, normalmente presente nos tecidos pulmonares, que facilita a entrada do vírus no ambiente celular. “Esses resultados indicam que a cloroquina não é operante nas células pulmonares humanas e que é improvável que proteja contra a replicação de Sars-CoV-2 nos pacientes”, conclui o artigo.
Na sexta-feira passada, a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) reiterou que não apoia o uso da cloroquina e derivados no tratamento da covid-19. Em nota, citando diversos estudos clínicos, a entidade médica afirmou que “é urgente e necessário que a hidroxicloroquina seja abandonada no tratamento de qualquer fase da covid-19”, e que “os agentes públicos, incluindo municípios, estados e Ministério da Saúde reavaliem suas orientações de tratamento, não gastando dinheiro público em tratamentos que são comprovadamente ineficazes e que podem causar efeitos colaterais”.