Mundo

Ameaças aos direitos humanos

Lei antiterror e rastreamento a infectados pelo novo coronavírus recebem ataques de organizações não governamentais. Especialistas temem abusos policiais e judiciais. Embaixadora em Brasília rejeita críticas e reafirma o compromisso com a transparência

No poder há 1.480 dias, o presidente Rodrigo Duterte tem tomado medidas consideradas draconianas pelos críticos, que denunciam uma série de violações aos direitos humanos. Depois de autorizar a polícia a “atirar para matar” usuários e traficantes de drogas, o governo das Filipinas anunciou, na semana passada, uma medida polêmica para conter o avanço da covid-19 no país: a polícia acompanhará profissionais da saúde em buscas de casa em casa, com o objetivo de identificar infectados e transferi-los para centros de quarentena mantidos pelo governo. Até o fechamento desta edição, as Filipinas contabilizavam 63.001 casos de covid-19 e 1.660 mortes.


Duterte também sancionou recentemente uma nova lei antiterror que pune com 12 anos de prisão pessoas acusadas de cometer “terrorismo’, de voluntariamente se unir a “grupos terroristas”, entre outros delitos. O texto permite a detenção de suspeitos por 14 dias sem mandado judicial, prorrogados por mais 30 dias. Opositores denunciam uma manobra do governo para perseguir e esmagar a dissidência.


As organizações não governamentais Anistia Internacional e Human Rights Watch (HRW) reagiram com fortes críticas às ações tomadas por Duterte. Phil Robertson, vice-diretor da Divisão Ásia da HRW, advertiu que o envio de equipes de polícia para casas de cidadãos, sem mandado de segurança, se equipara às táticas usadas pelo governo para atacar supostos usuários de drogas, em uma campanha que deixou milhares de mortos. “Desde que o governo impôs bloqueios em várias cidades, em março, policiais e funcionários dos governos locais violaram severamente os direitos dos cidadãos que desobedeceram ao toque de recolher e aos regulamentos de quarentena”, disse.


Por sua vez, Nicholas Bequelin, diretor regional da Anistia Internacional para Ásia-Pacífico, alertou que, sob o governo Duterte, “mesmo os mais brandos críticos do governo podem ser rotulados de terroristas”. “No clima de impunidade reinante, uma lei tão vaga sobre a definicão de ‘terrorismo’ somente pode piorar os ataques contra defensores dos direitos humanos”, comentou.

Diplomata

Marichu Mauro — embaixadora da República das Filipinas em Brasília desde abril de 2018 — rejeitou as alegações sobre buscas policiais de casa em casa por infectados com covid-19 e afirmou que os próprios contagiados, os familiares ou as autoridades dos barangay (divisões administrativas menores das Filipinas) terão a obrigação de reportar a doença ao governo (Leia Duas perguntas para). A diplomata também contestou denúncias de que Duterte utiliza o poder para esmagar a oposição e instilar medo na sociedade.


“A administração do presidente Duterte mantém a abordagem positiva e o engajamento construtivo com grupos de interesse e com a comunidade internacional na abordagem de tais alegações”, afirmou ao Correio. “O governo filipino continua a afirmar transparência e determinação em relação à preservação do Estado de direito, do processo devido e da promoção e proteção do bem-estar e dos direitos humanos de mais de 100 milhões de filipinos.”


Ex-secretário de Educação das Filipinas e presidente da Universidade de La Salle, Armin Luistro entrou com um processo contra o governo Duterte para tentar barrar a lei antiterror. Ele critica a tática de rastreamento de infectados pelo novo coronavírus. “O novo programa é consistente com a resposta desalinhada à covid-19 pelo governo, que trata a pandemia como tema de segurança, em vez de problema de saúde. Apesar de Harry Roque, porta-voz de Duterte, ter negado a existência de uma ordem para remover pessoas com a doença, o chefe da força-tarefa de combate à covid-19 anunciou que cidadãos com sintomas leves não poderão ficar em casa”, disse à reportagem. De acordo com Luistro, policiais que circularem pelas moradias dos mais pobres utilizarão a estratégia da guerra às drogas. “Ante as divergências entre autoridades sobre a nova política, precisamos monitorar e descobrir, nos próximos dias, como implementarão esse novo ataque aos direitos humanos.”


Maria Ela L. Atienza, professora de ciência política da University of the Philippines Diliman (em Manila), explicou que, pela nova estratégia anticovid-19, os barangay devem convencer as pessoas a comparecem aos centros de quarentena. “Isso viola o direito constitucional das pessoas de estarem seguras em suas casas. A polícia não detém confiança dos cidadãos, e essa desconfiança é aliada ao medo. Tais sentimentos se intensificaram com a brutal guerra às drogas”, lembrou ao Correio.
Segundo a estudiosa, a força-tarefa contra a covid-19 esclareceu que ainda não aprovou a prática e que, caso avalizada, as buscas serão feitas pelos governos locais, com o apoio da polícia. “Em vez de construir confiança, as autoridades criam um clima de medo, evidenciado pela proliferação de policiais à paisana.”


Atienza crê que a Lei Antiterror, “com várias disposições constitucionais questionáveis e contrárias aos direitos humanos e ao sistema de freios e contrapesos”, trai as intenções do governo. “Em vez de priorizar a segurança sanitária das pessoas, o governo usa a ocasião para  alvejar críticos.”

 

Duas perguntas para

Marichu Mauro, embaixadora das Filipinas no Brasil

Críticos afirmam que buscas às casas de pessoas assintomáticas ou com sintomas leves de covid-19 são uma violação dos direitos humanos.
Como a senhora vê isso?

Nós achamos lamentável o fato de que críticos e detratores da administração de Duterte usarem uma importante estratégia de rastreamento de contatos para difamar o atual governo filipino. Somente para esclarecer, a estratégia de rastreamento de contatos não envolve buscas de casa em casa por pacientes positivos para covid-19 ou suspeitos de serem positivos. Esses indivíduos terão de se reportar às autoridades, ou serem reportados por outros membros do domicílio ou pelas autoridades de seus barangay (divisões administrativas menores das Filipinas). Além disso, os trabalhadores da área de saúde serão aqueles a liderar a transferência dos pacientes positivos com covid de suas casas para instalações de quarentena do governo. As autoridades policiais somente estarão envolvidas se o apoio ou assistência forem necessários durante o transporte de pacientes, bem como a implementação de lockdown na área afetada.

Além da lei draconiana contra usuários e traficante de drogas, especialistas acusam o governo de usar a lei antiterror para smagar a dissidência. Como nalisa esse cenário?
Todas as medidas tomadas pelo presidente Rodrigo Rua Duterte estão em linha com as leis existentes, que visam confrontar os efeitos negativos da covid-19. As prioridades do presidente Duterte são a saúde e o bem-estar de todos os filipinos, dentro e fora do país. Isso é o principal em sua mente. Em março passado, o presidente Durte colocou as Filipinas inteiras sob estado de calamidade em meio a ameaças representadas pela covid-19, a fim de salvaguardar a saúde e a segurança de todos os filipinos. As medidas agora estão sendo lentamente relaxadas, mas a saúde e a segurança do povo filipino permanecem como prioridade do governo filipino. Em relação à nova Lei Antiterrorismo ou Ato Antiterrorismo de 2020, a lei capacitará ao governo implementar medidas mais duras contra o terrorismo e a violência. Há um apoio esmagador à decisão do presidente Durter de afirmar ainda mais a campanha proativa do governo contra o terrorismo, ao assinar a lei. Com ela, um mecanismo mais criterioso é posto  para prevenir e deter as ameaças e perigos representados pelos terroristas ao povo filipino. A nova lei antiterror também avançará nos interesses de segurança nacional das Filipinas. A administração Duterte mantém firme posição de empreender medidas mais rigorosas contra terroristas, inclusive estrangeiros, mantendo o respeito pelos direitos humanos. As Filipinas sempre deram grande importância aos seus compromissos com os direitos humanos e aos engajamentos com todas as partes interessadas e a comunidade internacional de nações. (RC)

 

Pontos de vista

Por Armin Altamirano Luistro

O medo semeado

“Desde o primeiro dia, o governo de Rodrigo Duterte tem semeado o medo entre os cidadãos, a fim de se consolidar no poder. As autoridades têm ameaçado, de modo sistemático, todos os críticos e possíveis opositores. Inclusive, apresentaram acusações de sedição contra mim e outros críticos. O governo apoiou exércitos de trolls que espalham fake news; revisou a história; ajuizou processos contra personalidades importantes; deportou um missionário e depôs o chefe de Justiça. A nova lei antiterror é apenas um entre muitos ataques à cidadania e segue o mesmo padrão de semear medo e ameaçar as vidas e a liberdade dos críticos. Essas ações reduziram o espaço democrático no país e tiveram ‘efeito assutador’ sobre aqueles que pretendem dizer a verdade ao poder.”
Ex-secretário de Educação das Filipinas e presidente da
Universidade De La Salle (Manila)

Por Maria Ela L. Atienza

Medidas
draconianas

“O governo de Duterte sempre destacou a paz e a ordem como prioridades. É lamentável que, em meio a uma pandemia, a principal solução disponível seja medidas draconianas tomadas em conjunto com a polícia e os militares — essas forças assumem um papel importante na luta contra a covid-19, em vez dos especialistas em saúde. Também é lamentável que, dados os altos índices de confiança e popularidade desde que assumiu o cargo e antes da pandemia, o presidente Duterte e seu governo não tenham usado esse capital político para resolver muitos dos problemas sociais, econômicos e políticos duradouros do país. Enquanto dizia combater a criminalidade, a corrupção e as elites e oligarcas, ele silenciou, ameaçou e intimidou críticos, formas  legítimas de expressão e a oposição.”

Professora de ciência política na University of the Philippines Diliman (Manila)