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Troca de ameaças

China acena com represálias, caso Reino Unido mantenha plano de conceder cidadania a milhões de habitantes da ex-colônia, em resposta à Lei de Segurança Nacional. Congresso dos EUA aprova legislação para sancionar autoridades ligadas à repressão


A nova Lei de Segurança Nacional de Hong Kong, em vigor desde a última quarta-feira, estremeceu as relações entre Londres e Pequim. Depois de o Reino Unido ameaçar a concessão de cidadania a milhões de habitantes da ex-colônia britânica, a China prometeu adotar medidas retaliatóras e instou o governo de Boris Johnson a “remediar seu erro”. “Comparem a segurança de Hong Kong e nossas relações com outros países; está claro de relance o que é a mais importante”, declarou Zhao Lijian, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, segundo o jornal South China Morning Post. Ele acusou o Reino Unido de violar uma declaração conjunta assinada em 1984. Por sua vez, a Embaixada da China em Londres advertiu que, “se a parte britânica fizer mudanças unilaterais, violará sua própria posição e seus compromissos, assim como o direito internacional e as regras básicas que regem as relações internacionais”. Os Estados Unidos também intensificaram a pressão sobre os chineses, após o Congresso aprovar uma legislação que sanciona autoridades que aplicarem a nova lei de segurança e bancos que cooperarem para violar a autonomia de Hong Kong.

Na quarta-feira, o ministro das Relações Exteriores do Reino Unido, Dominic Raab, discursou na Câmara dos Comuns e disse que “depois de discussões detalhadas com o secretário do Interior, confirma que honrará o compromisso de mudar os arranjos para aqueles que aguardam” a cidadania. “Nós concederemos naturalidade britânica de ultramar (aos cidadãos de Hong Kong) por cinco anos, com direito a trabalhar e a estudar”, anunciou. Segundo Raab, depois de 77 meses desde a concessão da naturalidade, eles serão capazes de pedir a cidadania britânica. Atualmente, os portadores de passaporte como Nacional Britânico de Ultramar podem permanecer no país por apenas seis meses. Estima-se que 350 mil pessoas de Hong Kong tenham esse documento.

Para Pequim, os cidadãos de Hong Kong são cidadãos chineses de pleno direito. Também anteontem, milhares de ativistas pró-democracia saíram às ruas da metrópole financeira para marcar o 23º aniversário da devolução de Hong Kong do Reino Unido para a China. Sob respaldo da nova legislação, policiais de choque reprimiram a manifestação e detiveram 370 pessoas, duas delas por portarem bandeiras e faixas pedindo a independência do território.

O primeiro-ministro da Austrália, Scott Morrison, anunciou que considerava “seriamente” conceder refúgio aos cidadãos de Hong Kong. Taiwan, por sua vez, colocou um escritório à disposição para ajudar moradores de Hong Kong a deixarem a cidade.




“Passo tardio”

Alvin Y. H. Cheung, especialista não residente do Instituto de Direito EUA-Ásia da Universidade de Nova York e natural de Hong Kong, afirmou ao Correio que a concessão de cidadania britânica aos  habitantes da metrópole financeira é um passo “profundamente tardio, porém, bem-vindo”. Ele lembra que, no começo de 2014, os funcionários dos governos da China e de Hong Kong declaravam publicamente que a Declaração Conjunta não tinha mais efeito legal. “Além disso, o status de nacional britânico ultramar era uma relíquia da Lei da Nacionalidade Britânica de 1981, que criou uma segunda classe de cidadania para nascidos em Hong Kong e pessoas ligadas a territórios ultramarinos britânicos. O ‘caminho para a cidadania’ representa um passo pequeno, mas significativo, para corrigir esse erro”, explicou.

Cheung mostra ceticismo em relação a possíveis “represálias da comunidade internacional pelas manobras da China em Hong Kong. “Tornou-se dolorosamente óbvio que anos de ‘insistência’ e ‘demonstração de preocupação’ fracassaram. Deveria ficar claro para a China que o desrespeito arbitrário aos compromissos internacionais não ocorre sem custos.” Sobre a lei aprovada pelo Congresso norte-americano, Cheung lembra que isso não significa que a Casa Branca exercerá os poderes de sancionar Pequim. “Dado o atual clima político, é difícil prever se ela o fará.” O Correio enviou perguntas para o embaixador da China em Brasília, Yang Wanming, mas até o fechamento desta edição não houve resposta.



Exercícios militarespreocupam o Pentágono
Em comunicado à imprensa divulgado no início da noite de ontem, o Pentágono admitiu preocupação com a decisão da China de realizar exercícios militares perto das Ilhas Paracel, no Mar do Sul da China, entre anteontem e domingo. Segundo o Departamento de Defesa dos EUA, os testes bélicos são “contraproducentes para os esforços de redução das tensões e de manutenção da estabilidade” em uma região na qual as águas e os territórios são disputados por vários países. “Os testes militares são as mais recentes de uma série de ações da República Popular da China para fazer reivindicações marítimas ilegais e prejudicar os vizinhos do Sudeste da Ásia, no Mar do Sul da China”. O Pentágono afirmou, ainda, que os testes podem “desestabilizar” ainda mais a região.