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Mutação aumenta risco de câncer em brasileiros

Característica herdada da época da colonização pode elevar a ocorrência do tumor do córtex adrenal e está ligada a outros carcinomas. Grupo internacional de cientistas também identificou uma variante genética que deixa essa condição ainda mais perigosa


A iniciativa internacional para decifrar o genoma humano tem proporcionado uma série de avanços na medicina e se mantém como uma arma importante de pesquisas, principalmente na área oncológica. Graças a esse mapeamento genético, uma equipe internacional de cientistas, liderada por um brasileiro, identificou uma mutação que, quando combinada com uma variante de DNA comum em pessoas de origem brasileira, pode aumentar o risco de surgimento de cânceres. Os dados foram divulgados na última edição da revista especializada Science Advances.

Há mais de 20 anos, os autores do estudo trabalham com mapeamento genético. Durante essa trajetória, identificaram, entre os brasileiros, a variante TP53-R337H. Para a equipe, essa “peça” pode ser considerada uma mutação fundadora, que foi  introduzida no Brasil durante a colonização. “Embora rara na população em geral, a TP53-R337H é comum no Brasil, encontrada em um a cada 300 brasileiros”, destacam no artigo.

Os investigadores também observaram que a TP53-R337H está relacionada à ocorrência de tumores, mas não de forma definitiva. “Ter a variante pode levar certos indivíduos a desenvolverem várias formas de câncer, alguns a terem um único tumor e outros a nunca desenvolverem. Ou seja, essa mutação não explica a totalidade do risco oncológico”, enfatiza, em comunicado, Gerard Zambetti, pesquisador do St. Jude Childrens Hospital, nos Estados Unidos, e um dos autores do estudo, que é liderado por Raul Ribeiro, oncologista e cientista do centro de pesquisa americano.

Nas etapas seguintes ao sequenciamento do genoma, os pesquisadores identificaram uma variante do gene supressor de tumor, chamada XAF1, em um subconjunto de portadores da mutação TP53-R337H. Com base nos dados, chegaram à conclusão de que indivíduos que herdaram a variante XAF1 e a mutação correm um risco ainda maior de sofrer com câncer, comparados aos que têm apenas a TP53-R337H.

As  mutações no TP53 são prevalentes em indivíduos com tumor do córtex adrenal e um fator proeminente em muitos outros tipos de tumor. Saber que a XAF1 modifica o TP53 pode incentivar mais pesquisas sobre o tema e, dependendo dos resultados, ajudar a se chegar a novas estratégias de tratamento. “Esperamos que esses resultados tenham um impacto significativo na saúde pública. Quando os médicos souberem quais variantes procurar, eles saberão como gerenciar melhor os pacientes com maior risco de câncer”, explica Emilia Pinto, brasileira, pesquisadora do St. Jude Childrens Hospital e uma das autoras do estudo.

Adriana Castelo Moura, médica do Centro de Oncologia do Hospital Santa Lúcia e membro titular da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica, também acredita que os dados do estudo podem ajudar na identificação precoce de tumores. “Esse gene TP53 está relacionado a chances maiores de cânceres e, quando os cientistas mostram que essa alteração relacionada a ele potencializa esses riscos, nós temos como fazer uma busca maior nos pacientes com essas características e agir mais cedo na prevenção”, detalha. “Foi o mesmo que ocorreu no caso da atriz Angelina Jolie, que fez uma mastectomia dupla depois que descobriu ter alto risco de sofrer com o câncer de mama. Nesse caso, pela existência do gene BRCA”, ilustra.

Parcerias

Os pesquisadores do St. Jude Childrens Hospital destacaram que só conseguiram chegar aos resultados devido ao sequenciamento genômico completo de indivíduos de ascendência brasileira. Para isso, estabeleceram parcerias com cientistas  da Ásia, das américas Central e do Sul, da China, do México e da África. “Este estudo não teria sido possível sem a colaboração de nossos parceiros em todo o mundo”, frisa Carlos Rodriguez-Galindo, presidente do Departamento de Medicina Pediátrica Global do hospital estadunidense.

Os pesquisadores darão continuidade ao trabalho e acreditam que mais detalhes genéticos serão desvendados, contribuindo ainda mais para a prevenção de tumores. “Esses resultados terão um impacto na saúde pública no Brasil, mas também são importantes para a comunidade em geral”, aposta Galindo.

A oncologista Adriana Moura também acredita que, com o avanço da pesquisa, uma série de ganhos possa surgir. “É algo que pode se expandir. Essa mutação está mais presente nesse tipo de tumor, mas também está relacionada a outros tipos de câncer. Isso pode nos ajudar, de uma forma bastante ampla, tanto na prevenção quanto no tratamento oncológico.”