Os últimos dias têm sido especiais para Ziauddin Yousafzai, 51 anos. Aos 22 anos, Malala — a filha mais velha do professor paquistanês, que também é pai de Kushal Khan Yousafzai, 19, e de Atal Khan Yousafzai, 16 — graduou-se em filosofia, política e economia pela renomada Universidade de Oxford, no Reino Unido. Foi o fim de um ciclo de sofrimento, dor, resiliência e persistência. Em 9 de outubro de 2012, Malala foi atingida na cabeça e no pescoço por um tiro disparado por um talibã quando se dirigia à escola, em Mingora, no Vale do Swat (Paquistão). Então com 15 anos, a jovem sobreviveu, manteve-se na luta pelo direito à educação das meninas, ganhou o Prêmio Nobel da Paz em 2014 e concluiu os estudos.
Em entrevista ao Correio, por telefone, Ziauddin falou sobre a “longa jornada” atravessada pela filha e admitiu: “Malala é minha líder e acredito nela; não corto suas asas”. Ele disse que o futuro da menina que saiu de Mingora para conquistar o mundo depende exclusivamente de Malala. “Não acho que ela tenha qualquer intenção de se tornar primeira-ministra do Paquistão ou ministra”, comentou, ao acrescentar que apoiará a filha até os últimos dias.
De acordo com Ziauddin, Malala era uma criança tímida e muito curiosa. “Ela era bastante inteligente e costumava fazer perguntas muito difíceis desde tenra idade. Também aprendeu falar antes de andar”, brincou. “Na manhã que a conheci, no dia seguinte ao nascimento, pude ver a luz brilhando em seus olhos e me senti o pai mais abençoado.” Entusiasta da educação, ele fez questão de citar uma frase marcante da filha: “Uma criança, uma professora, uma caneta e um livro podem mudar o mundo”.
Qual o símbolo que sua filha representa para o mundo?
Quando digo “Malala”, a primeira coisa que me vem à mente ou à mente das pessoas é a educação das garotas. Também a resiliência de uma garota ou o empoderamento das mulheres. Para mim, Malala significa resiliência, coragem, o poder das mulheres e a educação das meninas, além de perseverança. Todas as qualidades de força vêm com o nome “Malala”.
Por que escolheu este nome?
Inspirei-me numa lendária heroína pashtun do Afeganistão, Malalai de Maiwand. Ela foi a heroína da segunda Guerra Anglo-Afegã, que ajudou os combatentes pashtuns a lutarem contra o Exército britânico. Os pashtuns fugiam do campo de batalha, quando essa garota, à época com 17 anos e em choque, subiu em um monte e ergueu a voz. E sua voz foi tão poderosa. Ela disse: “Jovens amores, se não quiserem sacrificar sua vida nesse campo de batalha, vocês serão vistos como exemplos de vergonha”. Os combatentes retornaram e ela mesma se uniu a eles na luta contra os britânicos. Malalai deu a própria vida e foi morta por um soldado britânico. Então, tornou-se uma lenda na história do Afeganistão e dos pashtuns. Houve duas razões para que eu escolhesse o nome “Malala”: em primeiro lugar, Malalai de Maiwand era conhecida pelo próprio nome, não pelo nome do pai ou de um irmão. Ela tinha sua identidade. Em segundo lugar, ela levantou sua voz. Eu posso ver o poder da voz de Malalai de Maiwand. Por carregar a força desse nome, vejo que Malala tornou-se verdade pelo nome e uma personificação da coragem, da resiliência e do poder da esperança.
O senhor imaginava que Malala seria um exemplo tão poderoso para as pessoas do mundo?
Eu diria que sim e que não, ao mesmo tempo. Sim, pois eu acreditava nela e tinha o sonho de que seria independente, jovem, autoconfiante e uma mulher livre. Tenho cinco irmãs e nenhuma pôde ir à escola. Não existia escola no vilarejo em que morávamos. Meus pais tinham grandes sonhos para mim e meus irmãos mais velhos. Para minhas irmãs, o único sonho deles era de que se casassem o mais rápido possível. Eu tinha um sonho diferente para minha filha, mesmo antes que ela nascesse. Estava determinado que, quando fosse pai, daria toda a educação para a minha filha. Ela seria livre como um pássaro, seria independente e teria sua própria identidade. Teria um papel na comunidade; não se casaria em idade muito precoce; não estaria presa a normas sociais, tradições ou tabus. Sou contra o patriarcado. Isso significa que eu gostaria de vê-la como uma jovem poderosa, mas imaginava que isso fosse localmente ou no Paquistão. Naquela época, não pensava que ela seria conhecida e respeitada em todo o mundo. Foram o poder de sua força e sua resiliência que a moldaram para que se tornasse uma jovem tão poderosa. A exposição global de Malala e de sua luta pela educação feminina ocorreu por conta de seus sonhos, de seu ativismo, de sua força e do poder de seu caráter. A garota que o Talibã pretendia silenciar por levantar a voz pela educação das meninas paquistanesas agora levanta a voz em nome de 130 milhões de garotas que estão fora da escola.
O senhor quase perdeu sua filha. Ela se recuperou, ganhou o Nobel da Paz e se formou em Oxford. Como vê essa jornada?
Foi uma longa jornada em curto período, desde 9 de outubro de 2012, o dia mais trágico, dramático e difícil de nossas vidas. Malala esteve à beira da morte. Não sabíamos se ela sobreviveria. E, se sobrevivesse, não sabíamos se ela ficaria saudável e se recuperaria do trauma. Foi uma bênção. Vimos o pior, por parte de caras maus e intolerantes, como os talibãs; e o melhor, por parte de pessoas de todo o mundo e de amigos. Ela se recuperou, o que foi um momento de enorme gratidão em nossas vidas. Malala levantou-se novamente, com esperança e coragem, pela mesma causa de antes. Foi incrível, sem precedentes. Eu me lembro de 12 de julho de 2013, quando Malala subiu à tribuna da Assembleia Geral da ONU e disse ao mundo que o “Dia da Malala” era de todas as mulheres e meninas que não tinham acesso à educação e que sofriam preconceito. Quando ela encerrou o discurso, dizendo: “Uma criança, uma professora, uma caneta e um livro podem mudar o mundo”... Oh, meu Deus! Aquele foi um momento no qual mostrou que nada poderia mudá-la, derrotá-la ou enfraquecer sua determinação. Nossa família ficou tão orgulhosa dela!
E em relação ao Nobel da Paz?
Isso foi mais um marco em sua vida, em 2014. Ao falar em Oslo, enquanto recebia o diploma do Nobel da Paz, ela fez um discurso bastante histórico. Disse que gostaria de ver todas as meninas do mundo tendo o direito de escolher o próprio futuro e de se empoderar por meio da educação. Outro momento importante para mim, enquanto pai, foi quando Malala entrou para a Universidade de Oxford, três anos atrás. Estávamos em uma enorme sala, e o reitor da Faculdade Lady Margaret Hall foi até uma máquina de fazer chá, encheu um copo, dirigiu-se até o outro lado e o entregou a Malala. Foi o momento de maior orgulho para mim. Encheu-me os olhos de lágrimas ver o reitor oferecer um copo de chá à sua nova aluna. Eu estava pensando que aquela garota — a qual o Talibã não quis que estudasse em uma escola de Mingora, no Vale do Sawat, — estava ali, naquela instituição histórica. Nunca tinha visto em minha comunidade um homem oferecer um copo de chá a uma mulher. Foi um momento inesquecível em nossas vidas. Sou muito grato por ela ter se formado cinco dias atrás.
De que maneira vocês celebraram a formatura e de que modo encara esse fechamento de ciclo?
Por causa da covid-19, não pudemos celebrar na universidade. Tivemos uma comemoração em casa, com um tradicional bolo paquistanês. Essa jornada parece uma história lida apenas em livros, como a saga de Malalai de Maiwand. Foi repleta de momentos doces e amargos, mas também de sucessos, não apenas para Malala, mas para a sua causa da educação de meninas, que é tão intensa em seu coração. Meus sentimentos são de gratidão e de agradecimento. Malala passou por muito sofrimento, por conta da bala alojada na cabeça, e por muitas cirurgias.
Qual é o significado da educação?
Fui professor por 15 anos. Meu pai e meu irmão foram professores. A educação é como uma profissão de família. Meu pai leciona teologia e é clérigo em uma mesquita. Sei da importância da educação e como ela me transformou, como moldou meus valores e me deu habilidades. O mais importante foram os valores que conquistei por meio da educação. Ela tem o poder de transformar as coisas. Fui capaz de desafiar normas sociais e tabus que impediam a mulher de se educar, de ter liberdade e de crescer. Creio no empoderamento das meninas. Malala é uma grande inspiração para as garotas; pais batizam o nome de suas filhas com o nome de Malala. A educação é o mais poderoso equalizador, o mais poderoso mecanismo de mudanças. Ela nos ensina sobre a coexistência com outros seres humanos e com o meio ambiente. A educação pode mudar e muda o mundo.
O senhor apoiaria Malala em uma carreira política?
Essa é uma questão que costumo evitar. Sou pai, amigo e simpatizante de Malala. Quando estávamos em Swat, no Paquistão, e ela era uma menina de 10 anos e levantamos a voz pela educação, Malala inspirou-se com o meu ativismo, mas tornou-se uma voz poderosa no país. As pessoas começaram a escutá-la. Naquela época, eu era um líder, e ela, minha simpatizante e companheira de ativismo. Agora, ela é a líder e sou um de seus milhões de seguidores. Malala é minha líder e acredito nela. Não corto as asas dela. Eu creio em seu voo. Agora, o que ela deve fazer? Ser uma política, uma ativista social ou de direitos humanos, uma advogada? Isso diz respeito a ela. Não tenho o mandato, a autoridade ou nenhum tipo de direito sobre suas inspirações. Eu a apoiarei no que ela quiser fazer. Cada garota deveria ter o direito de escolher seu futuro. Hoje, líderes do mundo todo escutam Malala. Eu a apoiarei até o último dia de minha vida. Não acho que ela tenha intenção de se tornar primeira-ministra do Paquistão ou ministra. Ela pensa em contribuir com a educação de meninas em todo o mundo. O Fundo Malala aposta na possibilidade de que 10 milhões de garotas sejam inseridas na escola. Malala está ciente dos desafios impostos pela educação das garotas. Ela quer se focar no ativismo pela educação. Seu sonho é que toda a garota tenha acesso à educação livre.