Mundo

Grilhões invisíveis

No 155º aniversário da abolição da escravatura no país, milhares de pessoas saem às ruas de várias cidades dos EUA para exigir igualdade racial. Trump faz comício polêmico, hoje, em Oklahoma

 

A igualdade absoluta de direitos pessoais e de propriedade prometida pelo documento assinado naquele 19 de junho de 1865, em Galveston (sul do Texas), jamais tornou-se realidade. No 155º aniversário da abolição da escravatura, milhares de afroamericanos e brancos voltaram às ruas das principais cidades para exigir o fim dos grilhões que ainda aprisionam milhões de negros em uma sociedade longe de vislumbrar a justiça racial e os deixam à mercê da violência policial. Para evitar qualquer mensagem truncada no dia conhecido como Juneteenth e depois de receber críticas, o presidente Donald Trump adiou, de ontem para hoje, o comício em Tulsa (Oklahoma), que marca a retomada da campanha desde o início da pandemia. Em um gesto de boa vontade, o magnata republicano anunciou, no Twitter, que o prefeito G. T. Bynum determinou a suspensão do toque de recolher na cidade.

 

As manifestações de ontem, as quais contaram com a participação em massa do movimento Black Lives Matter (“Vidas negras importam”, pela tradução livre), evocaram a memória dos afro-americanos George Floyd, 46 anos, e Rayshar Brooks, 27 — o primeiro, asfixiado por um policial branco em Minneapolis; o segundo, morto com disparos pelas costas por outro agente branco, em Atlanta. Os protestos irradiaram-se de Ashton Villa, o casarão em Galveston onde foi lida, em 1965, a ordem de emancipação dos escravos do Texas, para o restante do país. Em 15 cidades, as autoridades usaram drones para monitorar as marchas e prevenir vandalismo.

 

Em Washington, centenas de pessoas reuniram-se no Memorial Martin Luther King Jr., no Parque West Potomac. Sob a imensa estátua do líder ativista de direitos civis, denunciaram “o racismo, a opressão e a violência policial”. A menos de 4km dali, perto da Casa Branca, outro grupo de manifestantes passeava pela recém-batizada Black Lives Matter Plaza. “Não poderemos eliminar todos os policiais racistas, mas queremos tirar a maioria deles e fazer com que prestem contas”, disse Joshua Hager, 29. Sua companheira, Yamina Benkreira, desejou que a história dos negros seja mais bem ensinada, para que os jovens “tomem consciência” das discriminações. Em Nova York,  milhares marcharam por Manhattah carregando cartazes com as imagens de Floyd.

 

Por ocasião do Juneteenth, Trump divulgou, ontem, uma mensagem dirigida à comunidade negra americana, denunciando “a injustiça inimaginável da escravidão”. Mas, também lançou uma advertência no Twitter aos “manifestantes, anarquistas, saqueadores e delinquentes” que se dirigem a Tulsa. “Eles têm que entender que não serão tratados como em Nova York, Seattle ou Minneapolis. Será muito diferente!”, afirmou, referindo-se a protestos violentos ocorridos naquelas cidades.

 

Tulsa

 

Para muitos em Tulsa, cenário de um dos piores massacres raciais nos Estados Unidos, em 1921, a escolha da cidade por Trump para seu primeiro comício desde o início da pandemia reabre uma ferida “sempre dolorosa”. O presidente conservador, muitas vezes acusado por seus críticos de difundir mensagens racistas enquanto defende a América tradicional, originalmente tinha planejado sediar o comício em Tulsa, no Juneteenth. “Uma maioria, se não todas as pessoas, sentiu a chegada de Trump como um tapa na cara e um desrespeito”, disse o reverendo Mareo Johnson, líder do movimento Black Lives Matter em Tulsa, à agência France-Presse. “Negros, mas também brancos, latinos, indígenas... Muitas pessoas diferentes veem Trump como um representante do ódio e do racismo, na medida em que ele não os repreende”, enfatizou.

 

O magnata republicano, que costuma ser conhecido por seu fraco conhecimento em geografia e história, pode não estar ciente da importância do Juneteenth e da existência do massacre de Tulsa em 1921, desconhecido por muitos de seus concidadãos. “Talvez ele não soubesse ... Mas, neste caso, adiar o ato para o dia seguinte ainda parece um tapa na cara!”, respondeu Johnson, de 47 anos. O massacre racial de 1921, que deixou cerca de 300 mortos e devastou o distrito negro de Greenwood, “ainda é muito sensível, muito doloroso”, disse Michelle Brown, diretora de programas educacionais do Greenwood Cultural Center.