Um em cada quatro habitantes do planeta tem uma condição de saúde que o deixa ainda mais vulnerável na atual pandemia. São cerca de 1,7 bilhão de pessoas — mais do que oito vezes a população brasileira — com complicações que aumentam o risco de surgimento de formas mais graves da covid-19, como hipertensão, obesidade e diabetes. O panorama foi traçado por um grupo internacional de cientistas após analisar dados de 188 países. Segundo os autores, serve de alerta para a definição de medidas de combate ao novo coronavírus em diferentes cenários: seja para manter as infeções sob controle, seja para interromper os registros sucessivos de números recordes.
“À medida que os países saem do bloqueio, os governos estão procurando maneiras de proteger os mais vulneráveis de um vírus que ainda está circulando. Esperamos que nossas estimativas forneçam pontos de partida úteis para o desenho de medidas para proteger aqueles com maior risco de doenças graves. Isso pode envolver aconselhar pessoas com condições subjacentes a adotar medidas de distanciamento social apropriadas ao seu nível de risco ou, no futuro, priorizá-las nos programas de vacinação”, afirma, em comunicado, Andrew Clark, professor da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres (LSHTM) e um dos autores do estudo, divulgado na última edição da revista The Lancet.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) e agências de saúde pública do Reino Unido e dos Estados Unidos identificam como fatores de risco para a covid-19 doenças cardiovasculares, doenças renais crônicas, diabetes e doenças respiratórias crônicas. Os autores consideraram essas comorbidades no estudo de modelagem, deixando de fora da análise condições que parecem também estar ligadas a uma maior fragilidade à infecção pelo Sars-CoV-2, mas que ainda não estão incluídas em diretrizes internacionais, como etnia e situação socioeconômica. Por isso, a equipe ressalta que as estimativas apresentadas não são exaustivas, elas devem servir de ponto de partida para os formuladores de políticas públicas.
Nesse sentido, o trabalho traz recortes regionais sobre os possíveis impactos do coronavírus em grupos de risco de faixas etárias distintas (veja quadro). O panorama mostra que países cujos habitantes são mais jovens tendem a enfrentar menos os desdobramentos da combinação de complicações — casos graves da covid-19 em diabéticos, por exemplo. No continente africano, 16,3% das pessoas (283 milhões de 1,3 bilhão) estão enquadradas como mais vulneráveis — têm ao menos uma comorbidade. Por outro lado, na Europa, a média chega a 30,9% (231 milhões em 747 milhões). De forma global, menos de 5% das pessoas com menos de 20 anos se encaixam nesse perfil, contra mais de 66% daquelas com ao menos 70 anos.
Clínica e geriatra do Hospital Brasília, Randara Rios Iwace tem observado essa diferença “na linha de frente”. “A gente que está na enfermaria, avaliando casos suspeitos e confirmados, percebe que há uma prevalência de idosos no número de pacientes internados. Lógico que há também jovens, mas a frequência é maior de idosos”, conta. Segundo a médica, o processo natural de envelhecimento deixa as pessoas mais suscetíveis aos efeitos do coronavírus “Esses pacientes têm uma redução natural do sistema imunológico. Outra questão são as comorbidades. Quando acometidas pela covid-19, pessoas com doenças crônicas, inclusive as mais novas, têm uma necessidade maior de suporte hospitalar.” Segundo o relatório global, na América Latina e no Caribe, 21,1% dos habitantes se enquadram nesse perfil, quase o equivalente à média mundial.
Hospitalização
Para grande parte da população mais vulnerável ao novo coronavírus, o aumento de risco é modesto, segundo os autores do levantamento, financiado pelo Departamento de Desenvolvimento Internacional do Reino Unido e pelo Wellcome Trust. O estudo de modelagem mostra que cerca de 4,5% da população mundial precisaria ser hospitalizada caso fosse infectada pelo Sars-CoV-2. O cenário também muda conforme a idade e a região. De 3,1% na África a 6,5% na Europa, e de menos de 1% entre os que têm menos de 20 anos a quase 20% para aqueles com 70 anos ou mais.
O pesquisador Andrew Clark chama a atenção para o fato de que, considerando todas as variáveis, as evidências precisam ser cuidadosamente avaliadas para evitar complacência sobre o risco. Ele usa como exemplo o continente africano. “A parcela da população em risco aumentado de covid-19 é geralmente mais baixa na África do que em outros lugares devido às populações muito mais jovens dos países, mas uma proporção muito maior de casos graves pode ser fatal na África do que em outros lugares”, explica.
Diferenças regionais também contam. Países africanos com maior prevalência de HIV, como o Lesoto, têm uma proporção maior de pessoas com uma condição de fragilidade do que os com menor prevalência de infectados pelo patógeno causador da Aids, como o Níger. Da mesma forma, pequenos países insulares com alta prevalência de diabetes, Fiji e Maurício, por exemplo, apresentam a maior proporção de pessoas em condição maior de fragilidade.
Em um comentário sobre o estudo, publicado também na revista The Lancet, Nina Schwalbe, da Escola de Saúde Pública da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, enfatiza que uma maior compreensão desses fatores, incluindo os efeitos dos determinantes sociais e a interação entre eles, ajuda a amenizar os efeitos do “equívoco popular” de que todas as pessoas correm o mesmo risco de serem acometidas por doenças graves. “Como observam os autores, é hora de evoluir de uma abordagem única para uma análise que considere a relevância dos determinantes sociais. Essa nova abordagem exige melhoria urgente na comunicação sobre a covid-19, aumento do acesso aos serviços de saúde, incluindo cuidados paliativos, para aqueles que já são socialmente vulneráveis, e apoio econômico para lidar com a mitigação da pandemia”, defende.
- Palavra de especialista
Reforço nas medidas de proteção
“O estudo nos mostra que devemos focar nas populações mais expostas, já com condições de saúde subjacentes. Os mais idosos precisam de cuidados especiais, com medidas de isolamento ou orientações sobre proteção individual e coletiva. O estudo também nos sugere a importância do direcionamento de medidas de saúde pública, como leitos hospitalares em regiões com maior público dessa faixa etária ou referenciar para determinados hospitais os casos mais graves. Acredito que medidas de proteção devem ser reforçadas, como o controle adequado da pressão arterial, o controle da glicemia, a manutenção de peso corporal dentro da normalidade, atividades físicas de rotina, exposição solar para otimização de níveis da vitamina D, alimentação saudável com menos carboidratos simples, açúcares e gorduras trans.”
Temístocles Neto, clínico médico e especialista em longevidade da Renoir Especialidades Médicas - Panorama
Considerando dados de 188 países, um estudo de modelagem sinaliza quais populações são mais vulneráveis à pandemia da covid-19:
» 4,5% da população precisaria ser hospitalizada caso fosse infectada pelo novo coronavírus
» A média também varia conforme as regiões do planeta, sendo de 4,1% na América Latina e no Caribe
» 22,4 % da população tem ao menos uma condição de saúde que aumenta o risco de ser acometida por uma forma grave da covid-19
» A média varia significativamente conforme as regiões do planeta, sendo de 21,1% na América Latina e no Caribe