A Organização Mundial da Saúde (OMS) anunciou, ontem, que as vacinas contra a covid-19 que estão na linha de frente de seu projeto de pesquisa seguirão para testes clínicos, com humanos, “em breve”. Na coletiva, a instituição também voltou a reforçar que pacientes assintomáticos podem transmitir o novo coronavírus, na tentativa de finalizar a polêmica gerada no início da semana. Representantes da agência das Nações Unidas ainda comentaram medidas adotadas por alguns países para relaxar a quarentena e o resultado de uma pesquisa recente sinalizando que o surgimento do Sars-CoV-2 pode ter ocorrido na China antes do imaginado.
Durante a entrevista, o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, informou que há “mais de 37 países” envolvidos em ensaio clínicos conduzidos pelo Solidariedade. O grupo é uma força-tarefa liderada pela OMS que busca entender melhor a doença e, dessa forma, desenvolver tratamentos e imunizantes eficazes. No caso das vacinas, a etapa de testes em humanos está prestes a ser iniciada e, segundo Tedros, eles não serão direcionados para alguma população ou país específicos. O objetivo é buscar garantir que os protocolos sejam usados e aplicados da mesma maneira em todas as nações envolvidas.
O programa foi lançado em março e, em 3 de junho, contava com mais de 3.500 voluntários, recrutados em 35 países, com mais de 400 hospitais envolvidos. Mais de 100 países aderiram ou manifestaram interesse em participar do estudo, e a OMS apoia ativamente 60. Além das vacinas, equipes investigam o uso de quatro medicamentos contra a covid-19: hidroxicloroquina, remdesivir, lopinavir e interferon-beta.
Tedros também pediu um compromisso político dos governos para que, quando uma vacina for encontrada, ela esteja disponível universalmente. Na semana passada, a OMS divulgou uma lista com 133 projetos de vacinas em desenvolvimento, sendo Estados Unidos e China os países com maior quantidade de projetos do tipo: 42 e 19, respectivamente. Conforme o balanço da agência, 10 trabalhos estão sendo testados em humanos — cinco deles chineses. Um dos mais avançados é a vacina da Universidade de Oxford, no Reino Unido, que está na fase três dos testes clínicos e contará com a participação do Brasil, que também tem iniciativas próprias nesse sentido (Leia Para saber mais).
Assintomáticos
O diretor-geral da OMS aproveitou a coletiva para reforçar que, desde o início de fevereiro, a agência tem afirmado que pacientes assintomáticos podem transmitir o vírus da covid-19. “O que precisamos é fazer mais pesquisas para estabelecer qual a extensão da transmissão por assintomáticos. Essa pesquisa está em andamento.” Na segunda-feira, a epidemiologista Maria Van Kerkhove afirmou que esses casos de infecção eram raros, gerando polêmica entre profissionais da área e a comunidade científica. No dia seguinte, a entidade explicou que o fato se tratava de um “mal entendido”.
Tedros citou a importância de estratégias já estabelecidas para enfrentar a pandemia. “Encontrar, isolar e testar pessoas com sintomas, e rastrear e fazer quarentena de seus contatos são o modo mais crucial para parar a transmissão da covid-19”, listou. Também destacou que, como a covid-19 é provocada por um vírus novo, todos estão aprendendo o tempo todo sobre ele. “Sabemos muito, mas ainda há muito que não sabemos sobre o coronavírus.”
Segundo Flávia Fernandes, pneumologista da Oncoclinicas Brasília, aprender mais sobre o vírus é essencial para o desenvolvimento de estratégias de combate. “Temos descoberto novos dados todos os dias, e isso ajuda em diferentes áreas, como isolamento, quais remédios usar, como desenvolver novas opções de tratamentos e, principalmente, as vacinas”, disse. “Essa é uma doença de um espectro muito grande, repleta de sintomas variados, o que a torna mais difícil de lidar do que uma gripe comum, por exemplo.”
A médica brasileira acredita que é impossível prever uma data para o surgimento de uma vacina. Para ela, quando estiver desvendado o tempo de imunidade gerada no organismo de pessoas que já sofreram a covid-19, uma fórmula de imunização estará mais próxima. “Ainda não sabemos direito quanto tempo essas pessoas permanecem livres do vírus. Com esse dado, poderemos identificar se esses anticorpos criados pelo corpo são suficientes ou se precisaremos de outras estratégias para gerar uma proteção permanente”, explicou.
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USP aposta em aplicação nasal
Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) trabalham em uma vacina nasal para ajudar no combate à pandemia. A abordagem já foi testada contra a hepatite B em camundongos e rendeu resultados positivos. No caso do Sars-CoV-2, a equipe utilizou uma proteína do próprio micro-organismo e a colocou dentro de uma nanopartícula, feita de um substrato natural. O objetivo é fazer com que o imunizante faça com que a pessoa imunizada produza um anticorpo, o lgA secretora, para matar o coronavírus.
Segundo os criadores, a nanopartícula utilizada permite que a substância fique na mucosa nasal por até quatro horas, período suficiente para iniciar a resposta do sistema imunológico. A equipe acredita que a vacina deverá funcionar após ser aplicada quatro vezes, em intervalos de 15 dias. Os testes com protótipos devem ser encerrados em três meses. Depois, serão iniciados os experimentos com animais.