Menos de 24 horas depois do sepultamento de George Floyd — cidadão negro morto por um policial branco, em Minneapolis — e em meio à pandemia da covid-19, os Estados Unidos retornam, aos poucos, a atenção para as eleições de 3 de novembro. Ao receber lideranças afro-americanas na Casa Branca, o presidente Donald Trump anunciou para os próximos dias a retomada da campanha, com comícios nos estados de Oklahoma, Flórida, Arizona e Carolina do Norte. A tarefa do republicano não será fácil. Uma pesquisa divulgada pelo instituto Gallup aponta que Trump goza de 39% de popularidade, uma queda de 10 pontos percentuais desde 20 de maio e o índice mais baixo em oito meses.
Do lado democrata, o ex-vice-presidente Joe Biden tenta capitalizar votos dos protestos contra o racismo que varreram o país depois do assassinato de Floyd. Especialistas não descartam que o adversário de Trump escolha uma companheira de chapa negra. Alguns nomes despontam, como os da senadora Kamala Harris; a deputada Val Demings; e a prefeita de Atlanta, Keisha Lance Bottoms. À margem da disputa eleitoral, cresce a polêmica sobre a remoção de estátuas em homenagem aos confederados, os comandantes da Guerra Civil que apoiavam a escravatura. A democrata Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos Representantes, pediu a retirada dos 11 monumentos do interior do Capitólio. Em Boston (Massachusetts), uma estátua de Cristóvão Colombo foi decapitada — o navegador genovês que chegou à América em 1942 é associado ao genocídio dos povos indígenas e à defesa da escravidão.
O racismo entrou de vez na campanha e no establishment de Washington. Em emotiva audiência no Comitê Judiciário da Câmara, Philonise Floyd, irmão de George Floyd, fez um apelo aos congressistas. “Basta! Acabem com o sofrimento”, afirmou, em alusão à violência racial. “Meu irmão não mereceu morrer por US$ 20. É isso o que um homem negro vale?”, questionou. Em 25 de maio, Floyd foi abordado por policiais sob suspeita de repassar uma nota falsa em uma loja de Minneapolis. Imobilizado, morreu 8 minutos e 46 segundos depois, com o joelho do agente Derek Chauvin pressionando-lhe o pescoço. “Quem sabe, me dirigindo a vocês, hoje, eu possa garantir que sua morte não seja em vão”, desabafou Philonise. A menos de cinco meses das eleições, duas forças estão sobre a mesa. De um lado, um presidente criticado pela falta de empatia ante o crime que vitimou Floyd. De outro, um político que conta com amplo apoio da comunidade negra, depois de ter sido vice de Barack Obama, o primeiro mandatário negro da história dos EUA.
Sinal
Para Michael Crespin, professor de ciência política da Universidade de Oklahoma e diretor do Centro de Estudos e Pesquisas Legislativas Carl Albert, apesar de prematuro, taxas de aprovação inferiores a 40 pontos percentuais não são um bom sinal para candidatos. “Trump deposita esperança de que uma série de eventos o ajude a aprimorar as chances de vitória. Isso inclui um alívio da pandemia, uma melhora da economia e o fim dos protestos contra a violência policial. A decisão de visitar Tulsa, em Oklahoma, é interessante, por causa do 99º aniversário do Massacre de Tulsa”, afirmou ao Correio. Entre 31 de maio e 1º de junho de 1921, homens brancos atacaram cidadãos negros, em um incidente que deixou mais de 300 mortos e outras centenas de feridos.
Ronald Gaddie, cientista político e especialista em presidentes pela também Universidade de Oklahoma, explicou à reportagem que Trump detém índice de popularidade similar aos de George H. Bush (1992) e de Jimmy Carter (1980), os dois últimos mandatários que perderam a reeleição. “Presidentes, geralmente, vivem e morrem na economia. Trump sofreu duro golpe nos últimos três meses. Os números são agravados pelo tratamento inconsistente dispensado à covid-19 e pela reação aos protestos. Para retornar aos trilhos da reeleição, ele precisará reunir confiança da opinião pública nesses três temas”, avalia. “Infelizmente, não temos visto do Executivo um conjunto de mensagens ou ferramentas que resultem em confiança significativa e ampliada em suas habilidades de liderança para além da própria base política republicana.”
O estudioso aponta que a decisão de Biden de nomear uma vice negra é um apelo aos círculos eleitorais de base do Partido Democrata. “Os democratas estão sendo convidados a considerar outro homem branco e velho para presidente. A escolha de uma mulher, especialmente negra, apela ao futuro do partido e ao presente de sua coalizão eleitoral”, disse Gaddie.
Remoção
Na tentativa de reduzir as tensões raciais nos EUA, Nancy Pelosi enviou carta ao Comitê Conjunto da Biblioteca do Congresso em que solicitou a remoção das 11 estátuas dos confederados. “As salas do Congresso são o coração da nossa democracia. As estátuas no Capitólio devem incorporar nossos mais altos ideais como americanos, expressando quem somos e o que aspiramos ser enquanto nação. Monumentos a homens que defendiam a crueldade e a barbárie para alcançar um fim tão claramente racista são uma afronta a esses ideais”, declarou Pelosi, na mensagem. “Essas estátuas prestam homenagem ao ódio, não à herança, e devem ser removidas.”
- Eu acho...
“A promessa de Biden de escolher uma mulher como companheira de chapa ampliará suas chances. Escolher uma afro-americana pode auxiliar no contexto dos protestos raciais, embora muitas coisas possam ocorrer até a eleição. Biden é o favorito, mas espero que a margem de diferença entre eles se reduza.”
Michael Crespin, professor de ciência política da Universidade de Oklahoma
“Os dias de Donald Trump estão contados. Ele não conseguirá a reeleição em novembro. Nem sequer o próprio Partido Republicano o apoia. O mundo assustiu ao assassinato complacente de um negro à luz do dia, sem qualquer motivo!”
Mallory Jackson, 44 anos, socorrista, morador de Houston e amigo de George Floyd