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Aniversário da contestação

Um ano depois do início dos protestos na ex-colônia britânica, manifestantes desafiam proibição e voltam às ruas para marcar a data e cobrar democracia. Marcha ocorre em meio à tensão causada pela aprovação da lei de segurança nacional



Milhares de ativistas tomaram as ruas de Hong Kong para lembrar o primeiro aniversário do histórico movimento de protesto na ex-colônia britânica. As marchas ocorreram em meio à pandemia do novo coronavírus e à tensão provocada pela recente aprovada legislação sobre segurança nacional — a qual, segundo vozes críticas a Pequim, representaria o fim da autonomia do território. Em 9 de junho de 2019, uma multidão começou a demonstrar oposição a um projeto de lei que autorizava as extradições para a China continental. Choques entre policiais e manifestantes rapidamente se tornaram corriqueiros, dividindo a população e afetando a reputação de Hong Kong, um importante centro financeiro global.

Ao desafiar a proibição de se manifestar, cidadãos saíram de suas casas quando anoiteceu, gritando palavras de ordem pró-democracia. Para dificultar o trabalho das forças de segurança, os locais dos atos foram anunciados apenas uma hora antes. Não foi o bastante para impedir a ação policial para dispersar os manifestantes. “Temos de sair às ruas para sermos ouvidos e para dizer ao regime que não vamos esquecer”, disse à agência France Presse (AFP), Michel, um manifestante de 23 anos, sob a condição de não ter o sobrenome divulgado.

Lição


Também ontem, a chefe do Executivo de Hong Kong, Carrie Lam, nomeada por Pequim e muito impopular, disse que “Hong Kong não pode arcar com esse caos”. Ela pediu a todas as partes “que aprendam a lição”. “Os habitantes precisam demonstrar que as pessoas de Hong Kong são cidadãos razoáveis e sensatos da República Popular da China”, se quiserem manter suas liberdades e autonomia, disse Lam.

A antiga colônia britânica retornou à soberania chinesa em 1997, depois de um acordo que garantiu autonomia e liberdades territoriais desconhecidas no continente até 2047, de acordo com o princípio de “um país, dois sistemas”. Na última década, nasceu em Hong Kong um movimento de protesto alimentado pelo medo de perder as liberdades nesta metrópole financeira.

De acordo com especialistas, a margem de manobra da oposição de Hong Kong foi reduzida desde o ano passado. “Não acho que o descontentamento tenha diminuído muito, mas o problema é que muitas ações não são autorizadas nas circunstâncias atuais”, afirmou à AFP Leung Kai-chi, analista da Universidade Chinesa de Hong Kong (CUHK). “As pessoas esperam por uma oportunidade. É claro que querem protestar novamente (…), mas não vão fazer isso sem pensar”, avalia o diretor da Escola de Jornalismo da CUHK, Francis Lee.



Extradição

A mobilização pró-democracia nasceu no ano passado com a rejeição ao projeto de extradição. Ainda que este texto tenha sido retirado de pauta depois, os manifestantes posteriormente expandiram suas demandas. Agora, reivindicam, principalmente, o estabelecimento do sufrágio universal e uma investigação independente sobre o comportamento da polícia. Todas essas demandas foram rejeitadas pelo Executivo local e por Pequim.

Em reação, a China decidiu adotar em Hong Kong uma lei que prevê punir atividades separatistas, “terroristas”, subversão, ou interferência estrangeira no território. Pequim garante que a medida afeta apenas “uma pequena minoria” e que vai restaurar a confiança do mundo dos negócios. A oposição teme, no entanto, que provoque repressão política no território de Hong Kong, semelhante à da China continental.

“Primeiro, (Pequim) fará as pessoas de Hong Kong perderem seus corações e almas e, depois, tentará forçá-las a serem leais”, disse Kong Tsung-gan, ativista que escreveu três livros sobre o movimento de protesto. Segundo ele, o povo de Hong Kong trava um “combate sem fim” e “terá que estar preparado para sofrer e sacrificar ainda mais do que até agora”. No ano passado, cerca de 9 mil pessoas foram detidas em Hong Kong por participarem dos protestos, e mais de 1.700 já foram acusadas.