Medidas de isolamento, como o fechamento do comércio e limitações para viagens, podem ter evitado a morte de ao menos 8 milhões de pessoas em decorrência da covid-19, sinalizam dois estudos divulgados, ontem, na versão on-line da revista Nature. Juntas, as pesquisas consideram dados de 17 países, onde também a disseminação do novo coronavírus foi reprimida em função da adoção de restrições sociais, segundo os autores.
Boa parte das populações analisadas é da Europa: Áustria, Bélgica, Reino Unido, Dinamarca, França, Alemanha, Itália, Noruega, Espanha, Suécia e Suíça. Pesquisadores do Imperial College London estudaram modelos de restrições adotados nesses 11 países, principalmente no mês de março. Sem eles, pelo menos 3,1 milhões de pessoas teriam morrido devido à atual crise sanitária, estima a equipe britânica.
“Esses dados sugerem que, sem nenhuma intervenção, como bloqueio e fechamento de escolas, poderia haver muito mais mortes por covid-19. A taxa de transmissão (do coronavírus) diminuiu de níveis altos para níveis sob controle em todos os países europeus que estudamos”, ressalta Samir Bhatt, um dos autores do estudo.
A equipe fez uma modelagem do impacto das medidas restritivas e estimou que, no início de maio, entre 12 e 15 milhões de moradores dos 11 países estavam infectados pelo Sars-CoV-2 — o equivalente a 3,2% a 4% da população. Ao comparar o número de mortes registradas de março a maio e as previstas, para o mesmo período, em modelos que não consideraram as medidas de isolamento, os britânicos descobriram que ao menos 3,1 milhões de óbitos foram evitados.
Também no início de maio, as restrições sociais impostas desde março fizeram com que a taxa reprodutiva básica ficasse abaixo de 1. Essa medida está relacionada ao número esperado de pessoas que podem ser infectadas a partir de um indivíduo com o Sars-CoV-2. Se ela é maior que 1, indica que o coronavírus segue se espalhando. Nos países estudados, o isolamento reduziu a disseminação do causador da covid-19 em, em média, 82%.
Os autores chamam a atenção para o fato de que medir a eficácia dessas intervenções é importante tanto para avaliar seus impactos econômicos e sociais quanto para indicar quais cursos de ação serão necessários a fim de evitar uma retomada das infecções. “Nossa análise também sugere que houve muito mais infecções nesses países europeus do que o estimado inicialmente. Agora, deve-se considerar cuidadosamente as medidas contínuas necessárias para manter a transmissão do Sars-CoV-2 sob controle”, enfatiza Samir Bhatt, também autor do estudo.
Uma limitação do modelo adotado é que ele pressupõe que cada medida tem o mesmo efeito em todos os países. Os pesquisadores enfatizam que há variações na maneira como o bloqueio foi implementado nos locais estudados, mas concluem que, de forma geral, é possível concluir que o isolamento poupou milhões de vidas e tem “efeito substancial” na redução da taxa de disseminação do coronavírus.
Fortes evidências
Liderado pela Universidade da Califórnia (UC) em Berkeley, o segundo estudo divulgado na revista Nature considera dados de seis países: China, Coreia do Sul, Itália, Irã, França e Estados Unidos. A equipe analisou 1.717 intervenções — locais, nacionais e internacionais — e conclui que elas evitaram 530 milhões de infecções até 6 de abril, quando o estudo foi concluído. Os cientistas não contabilizaram o número de óbitos evitados, mas, considerando uma taxa de morte de 1% dos infectados, bem abaixo da média mundial, conclui-se que ao menos 5,3 milhões de vidas foram poupadas.
“Algumas políticas têm impactos diferentes em diferentes populações, mas obtivemos evidências consistentes de que os pacotes de políticas agora implantados estão alcançando resultados em saúde benéficos e mensuráveis”, escreveram, no artigo, os autores, liderados por Solomon Hsiang, pesquisador do Laboratório de Políticas Globais da universidade estadunidense.
A equipe usou um método de estudo diferente dos britânicos. Nesse caso, considerou que, no início da propagação do vírus em cada país — portanto, antes das medidas restritivas —, o número de infecções dobrava a cada dois dias. Depois, avaliaram as taxas a partir da adoção das intervenções. A diferença entre as previsões os levou ao número de 530 milhões de infecções evitadas.
O impacto de cada medida na disseminação do Sars-CoV-2 também foi avaliada. O isolamento residencial, o fechamento de empresas e o chamado lockdown, o bloqueio total, produziram os benefícios mais claros. De forma geral, os efeitos começaram a interferir na disseminação do coronavírus três semanas depois da adoção das políticas restritivas.
Autor principal do estudo, Solomon Hsiang chama a atenção para a importância do envolvimento coletivo na efetivação das medidas. “Acho que nenhum esforço humano salvou tantas vidas em um período tão curto de tempo. Houve enormes custos pessoais para ficar em casa e cancelar eventos, mas os dados mostram que cada dia fez uma diferença profunda. Usando a ciência e cooperando, mudamos o curso da história”, disse, em entrevista a Berkeley News, a rede de comunicação da universidade americana.
Por isso, os autores acreditam que os resultados ajudam na definição de medidas de enfrentamento à pandemia para além das populações analisadas. “Essas descobertas podem ajudar a informar se ou quando essas políticas devem ser implantadas, intensificadas ou levantadas e podem apoiar a tomada de decisões nos outros mais de 180 países em que a covid-19 foi relatada”, escreveram.
- Mais de 5%
De acordo com o levantamento mais recente da Organização Mundial da Saúde, 6,93 milhões de casos de covid-19 foram confirmados no planeta. Dessas vítimas, 400,8 mil morreram. Considerando esses números, a taxa de letalidade do novo coronavírus é de 5,7%. A realidade de cada local, incluindo políticas de enfrentamento e a situação atual de disseminação do vírus, faz com que essa taxa mude de país para país. Em Wuhan, cidade chinesa em que o Sars-CoV-2 surgiu, no início do surto, a letalidade era de 2,3%, por exemplo.