Era tudo o que o presidente norte-americano, Donald Trump, não esperava. No último ano de seu primeiro mandato à frente da Casa Branca, quando a economia dava mostras de aceleração e a popularidade parecia em curva ascendente, duas crises de proporções avassaladoras atravessaram o caminho do republicano e lançaram as eleições de 3 de novembro na incerteza. A resposta do magnata à pandemia do novo coronavírus e aos protestos contra o racismo que varreram os Estados Unidos, aliada ao desempenho do mercado financeiro, deve determinar o sucesso ou o desastre nas urnas. As mais recentes pesquisas apontam para uma vitória do democrata Joe Biden, ex-vice-presidente durante o governo de Barack Obama. A 149 dias das eleições, cientistas políticos consultados pelo Correio avaliaram as possibilidades de Trump de se manter por mais quatro anos como ocupante do cargo mais poderoso do planeta.
Professor de governo da Universidade de Harvard, Steven R. Levitsky admmite que o bilionário alçado à Presidência dos Estados Unidos cometeu “numerosos fracassos” e o comparou ao mandatário brasileiro. “Assim como Jair Bolsonaro, Trump negou a existência de uma crise. Além de mal preparado, respondeu tarde demais. Depois, recusou-se a usar o governo federal para a mobilização de recursos de combate à crise e a unificar a nação, no intuito de encontrar uma solução. Também negou-se a escutar os próprios especialistas em saúde pública e começou a adotar posições que imaginava que fossem ajudá-lo na reeleição. Durante a mais grave crise enfrentada pelo meu país desde a Segunda Guerra Mundial, Trump focou-se somente em si mesmo e nas perspectivas de novo mandato”, comentou.
Autoritarismo
De acordo com Levitsky, as mais de 109 mil mortes provocadas pela covid-19 foram resultado dos fracassos do republicano. “O mesmo vale para os protestos antirraciais. Ao ameaçar com uma repressão massiva os manifestantes que lotaram as ruas depois que a polícia de Minneapolis matou o cidadão negro George Floyd, em 25 de maio passado, Trump exibiu um reflexo de seus instintos autoritários, em um apelo à base eleitoral. Ele espera que, ao defender ‘lei e ordem’, em meio à instabilidade e ao caos, ganhará votos, assim como Richard Nixon em 1968, durante os protestos contra a Guerra do Vietnã”, comparou. Levitsky nega que Trump busque soluções. “Ele exacerba a crise. Assim como Bolsonaro, este é o caso de um homem totalmente inadequado para o cargo de presidente. Em meio a uma crise, as consequências de se eleger alguém como Trump ou Bolsonaro podem ser devastadoras.” O estudioso aposta, no entanto, que a economia terá o peso final nas pretensões do líder americano.
Na última sexta-feira, Trump usou o assassinato em Minneapolis para celebrar a recuperação de 2,5 milhões de postos de trabalho no mês passado e afirmou esperar que Floyd estivesse “olhando para baixo e dizendo que uma grande coisa está acontecendo para o nosso país”. Professor do Departamento de Governo da Universidade de Cornell (em Ithaca, Nova York), Thomas Pepinsky admitiu à reportagem que a pandemia e os protestos deflagrados pelo assassinato de Floyd são “más notícias” para as perspectivas de reeleição de Trump. “Pelo fato de ser o atual ocupante da Casa Branca, ele tem boa chance de vitória em novembro. No entanto, a maioria da população desaprova a forma como tem conduzido a resposta à pandemia e ao trágico caso de Floyd. Trump está em desvantagem.”
Quando Trump acenou com a mobilização de “soldados fortemente armados” para conter os protestos antirracismo, também tentou flertar com o próprio eleitorado, na opinião de Pepinsky. “O melhor que ele pode esperar é convencer os americanos de que os manifestantes são uma ameaça à estabilidade política e à economia, afastando a culpa de suas próprias falhas ao longo dos últimos meses”, comentou.
Por sua vez, David Schultz — professor de ciência política da Universidade Hamline, em St. Paul (Minnesota) — acredita que o coronavírus e as manifestações “mudaram tudo e nada” nos EUA. “Tudo se modificou porque a pandemia e a economia se tornaram os principais temas da eleição deste ano. O coronavírus afetou o modo com que os candidatos fazem campanha”, lembra. A mesma premissa, segundo ele, vale para os levantes antirraciais, que colocaram a questão da raça no centro da política americana. “Ao mesmo tempo, a pandemia, a economia e os levantes antirraciais não mudaram o comportamento do eleitorado. Trump segue as mesmas linhas partidárias de três meses atrás, antes da pandemia. Seguimos tão divididos como sempre, com a eleição reduzida aos chamados estados-chave.”
Pontos de vista
» Por Steven R. Levitsky
Gestão com deficiências
“A pandemia não terá efeito tão grande sobre as eleições, como imaginávamos, porque a política dos EUA é profundamente polarizada, e a maior parte dos eleitores se liga muito fortemente a um dos dois partidos (Republicano e Democrata) — e votará por ele, não importa o que ocorrer. Mas é provável que ela prejudique Trump. O mau gerenciamento da crise deve custar a ele apoio entre os independentes. Há uma relação muito forte entre a economia e a reeleição presidencial. Se a economia estiver em mau estado, isso prejudicará Trump. Se antes da crise Trump tinha pequeno favoritismo (60%), a vantagem agora cabe a Biden.”
Professor de governo da Universidade de Harvard e especialista em autoritarismo e democratização
» Por David Schultz
Apelo à própria base política
“Como a economia vai, ou não, se recuperar até novembro, e como a pandemia será, ou não, aliviada no mesmo período, são pontos críticos para as chances eleitorais de Trump. Uma melhoria leve ou moderada em ambos os temas poderia creditá-lo à reeleição. O instinto de Trump é não encontrar terreno comum, mas apelar para a sua base eleitoral. Em 2016, adotou retórica anti-imigrante e quase sempre racista e sexista para apelar ao medo e à raiva, e para motivar a base política. Ele faz o mesmo em 2020, usando o assassinato de George Floyd, os protestos e o coronavírus como ferramentas para dividir e motivar.”
Professor de ciência política da Universidade Hamline, em St. Paul (Minnesota)
» Por Thomas Pepinsky
Série de fracassos no comando
“Os principais erros de Trump foram minimizar a gravidade da covid-19 nos primeiros dias da pandemia, antes que ela saísse de controle nos EUA; e o fato de ter fracassado na montagem de uma equipe competente para gerenciar a crise, além de ter falhado em insistir que seus planos fossem seguidos. É fácil esquecer os simples erros de organização e logística em torno da testagem e do rastreamento, em março e em abril. Com relação à revolta atual, seus erros são muito simples: ele deveria ter falado aberta e claramente sobre os direitos de todos os americanos de se reunirem e protestarem, e ele deveria ter exigido justiça para George Floyd.”
Professor do Departamento de Governo da Universidade de Cornell (em Ithaca, Nova York)
"Quando se trata dessa crise econômica, Donald Trump não sabe o que está acontecendo ou simplesmente não se importa”
Joe Biden, virtual candidato do Partido Democrata à Casa Branca