Três autores do polêmico estudo sobre os danos provocados pela hidroxicloroquina em pacientes com covid-19 pediram a retirada do artigo, publicado no último dia 22, na revista internacional The Lancet. O trabalho foi alvo de críticas da comunidade científica, que questionou a metodologia adotada e a não divulgação de dados. “Não podemos continuar garantindo a veracidade das fontes primárias de dados”, afirmou o trio, em comunicado divulgado pela própria revista.
O texto é assinado por Mandeep R. Mehra, pesquisador da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos; Amit N. Patel, da Universidade de Utah, também nos EUA; e Frank Ruschitzka, da Universidade de Zurique, na Suíça. Eles também acusam o quarto autor, Sapan Desai, dono da Surgisphere Corporation, empresa que coletou as informações, de se recusar a dar acesso direto aos dados obtidos.
O trio conta que, após os questionamentos da comunidade científica, iniciou “uma análise independente da Surgisphere, com o consentimento de Sapan Desai, para avaliar a origem dos elementos do banco de dados, confirmar que estava completo e replicar as análises apresentadas no artigo”. Porém, encontraram dificuldades no processo. Segundo eles, Surgisphere negou o acesso a dados, alegando que estava cumprindo acordos de confidencialidade com clientes (os hospitais em que os dados foram coletados). “Nossos revisores não foram capazes de conduzir uma revisão por pares independente e privada e, portanto, notificaram-nos de sua retirada do processo de revisão”, conta o trio de cientistas.
Retomada
Também ontem, foi anunciado pelo Instituto Nacional de Pesquisas em Saúde (Inserm) da França, que os pesquisadores envolvidos no estudo clínico europeu Discovery, que avalia a eficácia de tratamentos contra a covid-19, “contemplam” retomar a inclusão de testes com hidroxicloroquina. O anúncio aconteceu um dia depois de a Organização Mundial da Saúde (OMS) ter divulgado medida semelhante.
Ambos os projetos foram suspensos após a publicação do estudo na revista The Lancet. O estudo foi apresentado como o maior sobre o tema, com dados de 96 mil pacientes internados entre dezembro e abril em 671 hospitais do mundo. Mostra que a hidroxicloroquina, além de funcionar no tratamento da covid-19, aumenta o risco de morte por complicações cardíacas.
A agência das Nações Unidas avaliou as “preocupações levantadas sobre a segurança do remédio” e decidiu retomar os testes em humanos. “Estamos, agora, muito confiantes em relação ao fato de não terem sido observadas diferenças na mortalidade”, enfatizou Soumya Swaminathan, cientista-chefe da OMS. Nesse braço de pesquisa, há 3.500 pacientes recrutados em 35 países.
No caso do projeto Discovery, um grupo de especialistas independentes, responsável por analisar os dados provisórios dos testes clínicos do projeto europeu, “recomenda, com base em uma revisão dos dados atualizados (…) a continuidade do estudo segundo o previsto inicialmente”, afirmou à Agência France-Presse (AFP) de notícias o Inserm. A decisão será tomada “em colaboração com as autoridades competentes dos países em que acontece o estudo”, informou o grupo.
O projeto europeu atua em quatro frentes no enfrentamento à pandemia da covid-19. Além da hidroxicloroquina, analisa a eficácia do antiviral remdesivir, da associação de dois medicamentos anti-HIV, o lopinavir e o ritonavir, e da mesma combinação lopinavir/ritonavir combinada com interferon-beta, substância usada no tratamento da esclerose múltipla.