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Tirem o joelho de nós

Em discurso no funeral de George Floyd, cidadão negro asfixiado por policial branco, o ativista e reverendo Al Sharpton ataca racismo e diz que é hora de o sistema de justiça criminal prestar contas. Protestos prosseguem pelo 10º dia consecutivo



Assim que o carro fúnebre com o corpo de George Floyd se aproximou da North Central University, em Minneapolis, o chefe de polícia da cidade, Medaria Arradondo, e o sargento Dave O’Connor retiraram os quepes e se ajoelharam. Um gesto de arrependimento e de respeito ao homem negro de 34 anos asfixiado depois que o policial branco Derek Chauvin pressionou-lhe o pescoço com o joelho. Na primeira das três cerimônias em memória de Floyd, estavam presentes familiares, autoridades e importantes nomes da luta pelos direitos civis, como o prefeito de Minneapolis, Jacob Frey; o governador de Minnesota, Tom Walz; Martin Luther King III, filho do líder ativista Martin Luther King; e os reverendos Al Sharpton e Jesse Jackson.

Em seu pronunciamento, Sharpton afirmou que “este é o momento de lidar com a prestação de contas no sistema de justiça criminal” e enviou uma mensagem velada ao presidente Donald Trump. “Falar sobre a América grande. Grande para quem? Nós faremos a América grande para todos pela primeira vez. Nunca foi grande para os negros. Nunca foi grande para os latinos. Nunca foi grande para os outros. Nunca foi grande para mulheres. As mulheres tiveram de marchar para receberem o direito ao voto”, declarou. Ele lembrou que Floyd não morreu de condições comuns de saúde, mas de “mau funcionamento comum da Justiça criminal dos Estados Unidos”. “O que aconteceu com Floyd acontece todos os dias neste país, na educação, nos serviços de saúde e em cada área da vida americana. É hora de nos levantarmos em nome de George e dizer: ‘Tirem o joelho de nosso pescoço!’”, acrescentou Sharpton.



“General”


Durante 8 minutos e 46 segundos, as pessoas presentes no funeral permaneceram de pé. Uma referência ao tempo em que Chauvin manteve o joelho sobre o pescoço de Floyd. Em um testemunho emotivo, Philonise Floyd relatou que o irmão George “era como um general”. “A cada dia que ele saía, havia uma fila de pessoas. Eles queriam cumprimentá-lo e se divertir com ele”, afirmou. Por sua vez, Benjamin Crump, advogado da família de Floyd, ressaltou que “não foi a pandemia de coronavírus que o matou”. “Foi a outra pandemia, a pandemia de racismo e de discriminação”.

Pelo décimo dia consecutivo, foram registrados protestos, ontem, em Nova York, Los Angeles, Atlanta e Washington D.C. — onde os manifestantes se reuniram e se ajoelharam aos pés do Memorial Martin Luther King Jr. O prefeito nova-iorquino Bill de Blasio foi vaiado por milhares de ativistas ao participar de uma vigília no Brooklyn. O gesto de reprovação ocorreu depois de uma noite em que policias golpearam manifestantes pacíficos, como mostram vídeos divulgados pelas redes sociais. “No contexto da crise, no toque de recolher, há um ponto em que já basta”, declarou. “Se os policiais dizem que agora é a hora de ir para casa, é hora de ir para casa.” A multidão reagiu aos gritos de “De Blasio, volte para casa!” e “Vote contra!”.

Países da Europa também voltaram a ser palco de manifestações. A chanceler alemã, Angela Merkel, concedeu entrevista à rede de tevê estatal ZDF e chamou de “terrível” o “assassinato” de Floyd. “O assassinato de George Floyd é uma coisa terrível. O racismo é uma coisa terrível. A sociedade americana está altamente polarizada”, comentou.



Fiança

Thomas Lane, J. Alexander Keung e Tou Thao, três outros policiais de Minneapolis que participaram da abordagem a George Floyd, em 25 de maio, fizeram uma rápida aparição na Corte de Minneapolis. Segundo o jornal The New York Times, Paul R. Scoggin, juiz do distrito do Condado de Hennepin, estipulou, para cada um dos três agentes, a fiança de US$ 750 mil (cerca de R$ 3,8 milhões). Acusado de assassinato em segundo grau e de homicídio culposo em segundo grau, Chauvin terá de pagar US$ 1 milhão (ou R$ 5,12 milhões) se quiser responder ao processo em liberdade.

Em entrevista ao Correio, Wendell Nii Laryea Adjetey, professor de história da Universidade McGill (em Montreal, no Canadá) e filho de imigrantes de Gana, criticou a postura dos congressistas norte-americanos na luta antirracial e avaliou o levante como resposta natural. “Apesar dos dados esmagadores mostrando que a polícia nos Estados Unidos mata negros de forma desproporcional, os legisladores têm um péssimo histórico de implementação de leis que, injustificadamente, matam ou causam danos aos cidadãos negros”, explicou. “Como a vida dos negros é frequentemente ignorada, apenas uma exibição maciça de desobediência civil pode compelir os políticos a fazerem leis que protejam os negros da polícia violenta e assassina.”



  • Eu acho...

    “A morte de George Floyd é outro lembrete horrível aos americanos e ao mundo que o racismo é real e coloca em perigo as vidas de cidadãos negros”.

    Wendell Nii Laryea Adjetey, professor do Departamento de História e de Estudos Clássicos da Universidade McGill (em Montreal, Canadá)