Apenas 6,5km separam o Pentágono, em Arlington (Virgínia), da Casa Branca, em Washington DC. Apesar da proximidade física, os seus ocupantes exibem sinais de distanciamento político. Os planos do presidente Donald Trump de enviar milhares de soldados para conter protestos antirraciais — que se espalharam pelos Estados Unidos após a morte do afro-americano George Floyd — esbarraram na resistência do secretário de Defesa, Mark Esper. “A opção de usar forças ativas em uma função de aplicação da lei somente deveria ser levada em conta como último recurso e apenas nas situações mais urgentes e terríveis”, declarou o chefe do Pentágono. “Eu não apoio o uso da Lei da Insurreição”, acrescentou, em alusão à legislação de 1807 que permite ao presidente mobilizar tropas em circunstâncias específicas, como a supressão de desordem civil, rebelião ou insurreição popular.
Ontem, os EUA foram sacudidos pelo nono dia de manifestações. Foram registrados atos em várias cidades, entre elas, Washington DC, Boston, Nova York e New Port Beach (Califórnia). O ex-presidente Barack Obama voltou a abordar a crise e lembrou que o país foi fundado em meio a protestos, “uma revolução americana”. “Espero que sejamos capazes de capturar este momento”, disse. Ele advertiu que os EUA “não têm capacidade de erradicar 400 anos de racismo de uma só vez”.
Durante a entrevista no Pentágono, Mark Esper admitiu que cometeu um erro ao posar ao lado de Trump, durante visita à Igreja St. John’s, do outro lado do Parque Lafayette, em Washington. “Faço o possível para permanecer apolítico e evitar situações que possam parecer políticas. Às vezes, consigo, às vezes, não”, desabafou. James Mattis, antecessor no cargo, acusou Trump de “não tentar unir o povo americano”. “Ele nem sequer finge tentar. Em vez disso, tenta nos dividir. Estamos testemunhando as consequências de três anos desse esforço deliberado, (…) de três anos sem uma liderança madura”, declarou o ex-secretário de Defesa, que se demitiu em 2019.
Como alternativa a uma ação militar, Esper defendeu uma intervenção limitada à Guarda Nacional. “Sempre acreditei, e continuo acreditando, que a Guarda Nacional seja a mais adequada para fornecer apoio interno às autoridades civis nessas situações”, declarou, durante entrevista coletiva. Trump tinha feito o anúncio sobre envio de militares na segunda-feira, depois de uma noite de distúrbios, saques, confrontos entre manifestantes e policiais, e incêndios criminosos. Nos últimos dias, 9 mil pessoas foram detidas em todo o país.
Até o fechamento desta edição, o presidente não havia comentado a posição de Esper e se limitou a repetir uma frase, publicada no Twitter por ele, nos últimos dias. “Lei e ordem!”, escreveu. A porta-voz da Casa Branca, Kayleigh McEnany, destacou que, se Trump perder a confiança no secretário de Defesa, a imprensa será a primeira a saber.
Especialista em segurança nacional e em política de defesa da Brookings Institution (em Washington), Michael O’Hanlon disse ao Correio esperar que Mark Esper “tenha encontrado uma maneira relativamente discreta e não contraditória para abordar o uso das tropas”. “É muito difícil prever o comportamento de Trump. Esper também cometeu equívocos durante os protestos de segunda-feira, mas parece ter aprimorado sua performance. É isso o que espero dele, pois se trata, realmente, de um profissional.”
Assassinato
Em Minneapolis, onde Floyd foi asfixiado, as autoridades endureceram as acusações contra o policial branco Derek Chauvin. Além de homicídio culposo, ele será processado por homicídio sem premeditação, acusação que prevê punições mais severas. Os outros três policiais que estavam no local do crime serão processados por ajudar a instigar um homicídio sem premeditação. A Justiça determinou em US$ 1 milhão a fiança para a soltura de Chauvin. Dos três comparsas, apenas J. Alexander Kueng, que auxiliou na imobilização de Floyd, está preso.
Benjamin Crump, advogado da família de Floyd, referiu-se à decisão da Corte de Minneapolis como “um momento agridoce”. “Estamos profundamente gratificados pela ação decisiva (da promotoria), prendendo e acusando todos os policiais envolvidos na morte de George Floyd e atualizando a acusação contra Derek Chauvin para homicídio culposo em segundo grau. É um passo importante rumo à justiça”, escreveu.
Ele garante ter ido ao bunker da Casa Branca para “inspeção”
“Vá lá, algum dia você pode precisar. Fui lá, desci, observei. Foi durante o dia, não foi um problema”, declarou o presidente Donald Trump, em entrevista à rádio Fox News, ao negar relatos da mídia de que teria sido levado, por segurança, ao bunker da Casa Branca, em meio a protestos. O magnata republicano garantiu que foi ao local apenas para uma inspeção. “Foi uma informação falsa”, disse Trump, antes de explicar que entrou na área de segurança, mas apenas por um “breve momento”. O jornal The New York Times divulgou que agentes do Serviço Secreto levaram o presidente ao bunker na noite de sexta-feira. A Fox News afirma que isso ocorreu no domingo. Trump assegurou que desceu durante o dia, não à noite, e que o fez, em parte, para uma “inspeção”. “Li sobre isso, como se fosse uma grande coisa. Nunca houve um problema.” Na segunda-feira, acompanhado do Serviço Secreto, ele resolveu fazer uma caminhada controversa pelo Parque Lafayette para visitar a Igreja de St. John’s, parcialmente incendiada.
Eu acho...
“Não considero a posição do secretário da Defesa, Mark Esper, como uma insubordinação, pois ele não recebeu uma ordem direta. É mais uma mudança de rumo da conversa. Esta é a maneira certa de tentar lidar com este presidente. Às vezes funciona, às vezes, não.”, Michael O’Hanlon, especialista em segurança nacional e em política de defesa da Brookings Institution (em Washington).