Quando os casos de Sars-CoV-2 começaram a crescer exponencialmente, evidenciando que não se tratava de um surto localizado, médicos chineses e do restante do mundo iniciaram a corrida não só por tratamento, mas por uma ferramenta essencial no manejo da covid-19: os testes diagnósticos. Pouco mais de três meses depois de a Organização Mundial da Saúde (OMS) decretar a pandemia, a quantidade de exames sorológicos e genéticos se multiplica, ampliando as possibilidades de testagens, assim como as dúvidas da população sobre a qual método recorrer.
Devido à gravidade da pandemia, órgãos regulatórios de diversos países, como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), do Brasil, e a norte-americana Food and Drug Administration (FDA), facilitaram o registro de novos testes, dispensando etapas do processo, embora os laboratórios tenham de apresentar dados, como resultados de pesquisas sobre os produtos e estudos que atestem a qualidade e a segurança, entre outros. Hoje, no Brasil, há 126 testes aprovados e uma centena à espera da aceitação da Anvisa.
Os testes não foram inventados do dia para a noite. Com raríssimas exceções, os cientistas utilizam métodos já validados anteriormente, fazendo adaptações, como nos reagentes, ao novo coronavírus. É o caso do padrão ouro do diagnóstico da covid-19, o RT-PCR (sigla de transcrição reversa seguida de reação em cadeia da polimerase). Essa técnica — que, em 1992, permitiu o primeiro exame de diagnóstico do HIV, vírus causador da Aids — detecta a partícula viral em amostra coletada na saliva ou no nariz do paciente. Por isso, diferentemente dos sorológicos, que apontam apenas a presença de anticorpos circulantes, o PCR mostra se a pessoa está ou não doente (contudo, não indica se houve infecção passada).
As desvantagens desse método é que ele é caro, exige um equipamento de alta complexidade para o processamento das amostras e de pessoal especializado, o que dificulta a produção em quantidades altas e também a rapidez na confirmação do diagnóstico. Agora, uma equipe de pesquisadores brasileiros, do Laboratório Fleury, desenvolveu uma nova abordagem que também detecta o vírus, e não os anticorpos, mas a partir de um processo simplificado e 100% automatizado.
Enquanto o PCR identifica o RNA viral, o transforma em DNA e faz a ampliação do genoma para a identificação do micro-organismo, o método por proteômica detecta proteínas específicas do vírus na amostra, coletada no nariz ou na garganta do paciente com um swab. O material é analisado por meio de uma tecnologia derivada da espectrometria de massa e tem especificidade de 83%.
É um percentual menor que o do PCR, mas o infectologista Celso Granato, diretor clínico do Grupo Fleury, explica que a intenção não é competir com o PCR, mas oferecer um teste semelhante ao padrão ouro a populações sem acesso ao método de transcrição reversa. “Se você olhar numericamente, ele não é tão bom quanto o PCR. Mas é preciso considerar que esse teste será oferecido a laboratórios diferentes. Em Brasília, você fará o PCR no Fleury. Agora, imagine se você morasse na divisa de Rondônia com o Acre. Você não tem como fazer o PCR. Então, essa é uma comparação teórica, porque a pessoa que fará esse teste, não tem como fazer o PCR”, destaca. De acordo com Granato, o grupo espera democratizar o acesso ao diagnóstico direto do vírus. A capacidade de análise é de 1,5 mil amostras por dia, e o resultado fica pronto em 36 horas.
Em massa
No Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, pesquisadores também desenvolveram um teste que identifica a presença do vírus e que deverá estar disponível em junho. O método é baseado na tecnologia de sequenciamento de nova geração e, assim como o PCR, tem 100% de especificidade. Como a capacidade de processamento é 16 vezes superior, os cientistas acreditam que o diagnóstico poderá ser usado em testagens em massa, o que é feito, hoje, por meio dos exames sorológicos. “A nova tecnologia amplia a capacidade mundial de diagnóstico, de início rápido de tratamento e de isolamento dos doentes e contactantes, contribuindo para o controle da expansão da pandemia”, disse, em nota, o médico Sidney Klajner, presidente da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein.
O material para análise é coletado com swabs na região nasal ou na saliva. A amostra é submetida à tecnologia de sequenciamento de nova geração, que busca fragmentos de DNA. Porém, como o material genético dos vírus consiste em RNA, os pesquisadores da instituição adaptaram o método, permitindo a detecção de partículas do vírus. Depois do preparo, a substância é analisada pela plataforma de bioinformática Varstation, desenvolvida pelo Departamento de Inovação do hospital. A capacidade de processamento é de mais de 15 mil testes por dia.
- Palavra de especialista
Antes, converse com seu médico
“Eu recomendaria que, se as pessoas estiverem interessadas em fazer algum teste para covid-19, estejam elas sintomáticas ou assintomáticas, que conversem com seus médicos. E, caso esse teste não seja disponibilizado pelo sistema de saúde, que obtenha muitas informações sobre eles. Vimos que alguns estão tirando vantagem dessa crise, procurando ganhar dinheiro com ela, e não necessariamente oferecendo um teste de qualidade. Então, se você quer fazer o exame, não faça sem conversar antes com seu médico.”
Emily Volk, presidente do Colégio Norte-Americano de Patologistas e pesquisadora da Universidade do Texas, em San Antonio