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Queda histórica na emissão de CO2

O isolamento social e a interrupção de atividades econômicas levam a uma redução recorde de dióxido de carbono na atmosfera. De janeiro a abril, só o setor de transportes de superfície deixou de lançar 7,5 megatoneladas do gás ligado ao efeito estufa



Péssimo para a economia, o isolamento social decorrente da epidemia da covid-19 favoreceu, contudo, o planeta. Com a interrupção ou a redução das atividades industriais, a queda no fluxo de veículos — inclusive de aviões — e o fechamento de prédios e shoppings, entre outros, houve uma queda significativa nas emissões de dióxido de carbono proveniente da queima de combustíveis fósseis, de acordo com dois estudos recentes. Globalmente, os níveis de CO2 igualaram-se aos de 2006 — nunca o mundo experimentou uma redução tão forte. Ao contrário, as emissões vêm aumentando desde então. Contudo, os cientistas alertam que o fenômeno é temporário e estimam que a retomada econômica e o fim do distanciamento social terão forte impacto sobre o lançamento de gases de efeito estufa.

Um artigo divulgado ontem na revista Nature Climate Change revelou que, desde janeiro, houve declínio diário nas emissões, comparado ao mesmo período do ano passado. Em 7 de abril, quando boa parte do mundo estava confinada, a redução atingiu o ápice: 17% menos CO2 na atmosfera, tendo como base abril de 2019. O estudo foi conduzido por pesquisadores da Universidade de East Anglia, da Universidade de Stanford, do Centro Cicero de Pesquisa Internacional do Clima e da Organização de Pesquisa Científico e Industrial da Commonweatlh (Csiro, sigla em inglês), como parte do Projeto Global de Carbono.

Para fazer o levantamento, os cientistas usaram dados de 69 países, incluindo o Brasil, que, juntos, representam 97% das emissões globais e 85% da população mundial. Os dados foram, em seguida, comparados ao mesmo período do ano passado. De acordo com o artigo, China, Estados Unidos, Europa e Índia foram os lugares em que se registrou maior queda no lançamento de gases de efeito estufa desde janeiro deste ano. Os autores explicam que o pico de redução ocorreu em 7 de abril porque, nessa data, os maiores emissores mundiais estavam com um alto percentual de atividades suspensas.

“Olhando o período de janeiro a abril como um todo, a média de queda das emissões foi 8,6%, novamente comparando ao ano passado”, observa um dos autores do estudo, Pep Canadell, diretor do programa de carbono do Csir. Ele explica que os setores que contribuíram para a redução foram eletricidade (responsável por 44,3% das emissões mundiais), indústria (22,4%), transporte de superfície (20,6%), residências (5,6%), prédios públicos/comércio (4,2%) e aviação (2,8%). Para calcular a influência do isolamento social na diminuição das emissões, os pesquisadores criaram um “índice de confinamento” — uma escala de 0 a 3 que considerou as políticas de cada país em relação ao distanciamento, desde nenhuma medida até as restrições mais rigorosas, com fechamento de fábricas, comércio e instituição de teletrabalho.

“Durante o início da fase de confinamento, por volta da terceira semana de janeiro, cerca de 30% das emissões globais se concentravam em áreas com algum tipo de confinamento. Isso aumentou para 70% no fim de fevereiro e mais de 80% em meados de março, quando o confinamento na Europa, na Índia e nos Estados Unidos começou, à medida que a China relaxava as medidas”, conta Canadell. “No pico, no início de abril, 89% das emissões globais estavam em áreas em que, de alguma forma, as pessoas estavam em isolamento social”, continua. Por isso, o pesquisador alega que a associação entre níveis menores de emissões e redução as atividades econômicas é “clara”, evidenciando ainda mais a influência humana no lançamento de gases de efeito estufa na atmosfera.

Canadell afirma que a redução global das emissões foi desencadeada principalmente por mudanças no número de carros e de outros veículos nas estradas (o setor de transporte de superfície, que também inclui transporte marítimo), levando a uma redução de 36% nas emissões, equivalente a 7,5 megatoneladas (5,9 a 9,6) de dióxido de carbono. “Em relação aos outros setores, o de energia ficou em segundo lugar, e o setor industrial, abrangendo produto final e produção de matéria-prima, em terceiro”. Por outro lado, o setor doméstico aumentou as emissões, devido ao fato de as pessoas terem de ficar em casa o dia inteiro: foi uma elevação de 0,2 megatonelada de CO2 no início de abril. A aviação global, que foi amplamente atingida pela covid-19, registrou um declínio de 60% nas emissões,  comparado a abril de 2019. Isso equivale a 1,7 megatonelada de CO2.

Europa


Um resultado semelhante foi obtido por pesquisadores do Centro Euro-Mediterrâneo de Pesquisas Climáticas (CMCC). O estudo, que está atualmente sendo preparado para revisão por outros especialistas, mostra que, até o momento, o confinamento reduziu as emissões de dióxido de carbono em até 75% nas cidades europeias pesquisadas. “As reduções variam de 8% em uma área urbana de Berlim, na Alemanha, caracterizada por ampla cobertura vegetal, a 75% no centro de Heraklion, na Grécia”, diz Dario Papale, pesquisador do CMCC.

As cidades europeias incluídas no estudo são Basileia, na Suíça; Berlim, Florença e Pesaro, na Itália; Helsinque, na Finlândia; e Heraklion e Londres, no Reino Unido. O nível de redução variou de acordo com as características das áreas pesquisadas e o rigor das medidas de bloqueio. Em todas elas, houve clara conexão temporal com as restrições e a redução de emissões.

De acordo com o estudo, Heraklion registrou a maior redução por estar localizada em uma região caracterizada por atividades comerciais densas e intenso tráfego rodoviário — ambos completamente parados durante o confinamento. Em Pesaro, o fechamento quase total da circulação de veículos reduziu as emissões de CO2 em um terço. Em outras cidades, como Florença e Basileia, foi uma combinação da redução de atividades econômicas e do tráfego. Ao mesmo tempo, nesses locais, o aumento proveniente do setor doméstico contrabalanceou parcialmente a queda.

O tráfego e o setor comercial também estão por trás das emissões de Londres, mas a capital inglesa difere de Helsinque e Florença devido à sua contribuição residencial. Normalmente, a população no centro de Londres pode aumentar 10 vezes durante a semana devido ao afluxo de passageiros. O fenômeno, porém, diminuiu fortemente com o bloqueio.

“Em alguns casos (Florença, Londres e Heraklion), as emissões começaram a diminuir mesmo pouco tempo antes da implantação do bloqueio oficial, quando as pessoas já respondiam às recomendações para reduzir ao máximo possível as viagens e tentar fazer o trabalho em casa”, afirma Dario Papale.

Contudo, os cientistas ressaltam que as reduções na produção de CO2 não devem ser encaradas como uma vitória do planeta em longo prazo. “As emissões globais em 2020 dependerão de quanto tempo e até que ponto o confinamento durará, o tempo que levará para se retomarem as atividades normais e o grau em que a vida voltará à normalidade”, destaca Pep Canadell, diretor do programa de carbono do Csir. De acordo com ele, se os países permanecerem com bloqueio em graus variados até o fim do ano, estima-se que haja uma redução geral de 7,5%. No entanto, se as restrições econômicas e sociais aumentarem em meados de junho, estima-se que a queda geral acumulada seja de apenas de 4,2%.