A queda do segundo ministro da Saúde desde que a OMS declarou a covid-19 uma pandemia seria o bastante, por si. Mas a demissão de Nelson Teich coincide com o momento em que as atenções do mundo se voltam para o Brasil como o país que exibe os sintomas mais alarmantes de propagação do coronavírus.
Na condição de responsável pelo possível novo foco da crise sanitária mundial, o governo Bolsonaro está nas telas de radar e nas lentes de microscópios daqueles que observam, estudam e combatem a doença. De maneira incontornável, toda iniciativa tomada pelo Planalto será acompanhada sem trégua, assim como serão avaliadas as consequências de medidas que venham a ser omitidas.
O olhar crítico voltar-se-á, inevitavelmente, às palavras e aos gestos do presidente. Se têm motivado comentários e memes nas redes, desde os primeiros dias da emergência, as intervenções de Bolsonaro estarão mais do que nunca na vitrine.
Achou a turma
Menos de um mês depois de assumir a pasta mais crítica de qualquer governo, nos dias de hoje, Teich deixa o posto no momento em que o Brasil ocupa o lugar que lhe cabe no ranking da covid-19. Colocado no patamar de EUA e Rússia, com perfis demográficos proporcionais, o país enfrenta a pandemia com a intensidade esperada para um terreno que inclui distâncias continentais, bolsões de população adensada e desigualdades socioeconômicas. Sintomático que índices bem mais modestos de contágio e mortes se registrem nos dois outros países de maior populaçao, Índia e China — esta a primeira escala da pandemia.
Mãe da rua
À parte as coincidências ou dissonâncias políticas, a gestão da epidemia no Brasil — e, mais ainda, os resultados práticos — tem importância crítica para os passos a serem tomados pelos governos vizinhos. O diagnóstico vale igualmente para a Argentina do presidente peronista Alberto Fernández ou para o Paraguai, de Mario Abdo Benítez, que o colega brasileiro chama de Marito, como fazem amigos e correligionários.
Controles rígidos sobre a entrada de brasileiros estão em vigor em todos os países com fronteira direta. E mesmo vizinhos “indiretos”, como o Chile, reforçam todos os cuidados.
Amigos, apenas
Mesmo os Estados Unidos de Donald Trump, proclamados aliados preferenciais por Bolsonaro e pelo chanceler Ernesto Araújo, acenam com a opção de bloquear o tráfego aéreo com o Brasil. Assim como outros governos, da Europa e outras regiões, o de Washington já recomendou aos próprios cidadãos que evitem o Brasil: quem tiver viagem prevista, melhor cancelar; quem está por aqui, que retorne o quanto antes.
Com a covid-19 batendo às portas das Américas, Trump recebeu Bolsonaro na Flórida, no início de março. Ambos menosprezaram medidas preventivas como o isolamento social. Hoje, integram o “top 3” dos países mais afetados.
Cioso do impacto das decisões de hoje sobre a disputa pelo segundo mandato, em novembro, o presidente americano deixa para segundo ou terceiro plano a relação com Bolsonaro. Como no samba-canção celebrizado por Nelson Gonçalves e Caetano Veloso, “amigos, simplesmente, nada mais”.
Mexerico da Candinha
E o título de um clássico da Jovem Guarda, sucesso de Roberto Carlos no fim dos anos 1960, vem à memória com as repercussões da publicação de trechos das falas do presidente na reunião ministerial citada pelo ex-ministro Sergio Moro ao deixar a Justiça, por disputa com o chefe do Planalto. Enquanto decide sobre a divulgação total ou parcial dos registros, o decano do STF, Celso de Mello, pondera sobre pedidos para que se preserve sigilo sobre as referências de Bolsonaro a “nações amigas”.
Entre emissários e observadores estrangeiros, familiarizados com o estilo “franco” do presidente, a pergunta do milhão é: quais possíveis diatribes e desabafos sobre outros governos e países o Planalto (e o Itamaraty) prefeririam manter em segredo?
A expectativa nos círculos diplomáticos é de que, decisões judiciais à parte, e como na letra do Rei sobre a colunista fofoqueira, uma hora “a Candinha vai falar”.