Um estudo publicado na plataforma on-line bioRxiv identificou duas mutações na proteína spike do Sars-Cov-2 que, segundo os autores, do Laboratório Nacional de Los Alamos, nos EUA, já estão presentes na versão dominante do vírus na Europa. No artigo, os cientistas afirmam que essas variações podem tornar o micro-organismo mais agressivo, seja aumentando o potencial de transmissão ou deixando-o mais resistente contra tratamentos, em especial, a vacinas. Porém, o mesmo estudo mostra que a taxa de hospitalização de pacientes da Covid-19 infectados por vírus com ou sem as mutações foi igual.
Todo vírus sofre mutação ao ser transmitido — a sequência genética do Sars-Cov-2 que começou a se espalhar pela China no fim do ano passado é diferente da versão que circula no Brasil. Estudos já mostraram que, no caso do novo coronavírus, essas variações têm pouco impacto sobre o potencial viral. Agora, ao analisar, em um modelo computacional, amostras do vírus que circulam na Europa e compará-las ao material viral colhido antes de fevereiro, quando a pandemia começou a se alastrar pelo continente, os pesquisadores identificaram as duas mutações na proteína spike. O estudo foi feito com base em um banco de dados gigante, compartilhado por cientistas de todo o mundo.
A spike é a proteína que utiliza um receptor na membrana das células humanas para entrar no núcleo celular e, uma vez lá, se replicar, o que caracteriza a infecção. A maioria das vacinas para Covid-19 tem a estrutura como foco. Por isso, o artigo alerta que os desenvolvedores dessas substâncias devem estar atentos quanto às mutações, para não inviabilizar a resposta imunológica.
Europa
No início de março, o monitoramento das amostras globais encontrou a mutação D614G em sete das 183 sequências genéticas do vírus disponíveis naquele momento. Dessas, quatro eram de pacientes europeus, uma foi detectada no México, outra no Brasil e a restante em Wuhan, na China. Em meados de março, a variante estava presente em 29% das amostras, mas quase exclusivamente encontradas na Europa. A outra mutação, S943P, provavelmente é formada pela recombinação de três diferentes versões do vírus, indicando que múltiplos tipos de Sars-Cov-2 podem estar circulando na mesma região. Os autores do estudo especulam que isso pode tornar o micro-organismo mais patogênico, mas não houve testes indicando se isso realmente ocorreu. A variante foi encontrada basicamente na Bélgica.
“Vírus passam por mutações para, seletivamente, conseguirem ser mais transmitidos ou resistentes às intervenções. E essa mutação Spike D614G está na Europa desde fevereiro. É preocupante na patogênese e em intervenções imunológicas para Sars-Cov-2. Apesar disso, precisamos esperar a publicação após a bioRxiv”, afirma a infectologista Helena Brígido, vice-presidente da Sociedade Paraense de Infectologia e professora da Universidade Federal do Pará. O artigo foi publicado em uma plataforma de divulgação científica, mas não passou pela fase de revisão pelos pares, quando diversos especialistas leem o artigo e apontam possíveis falhas.
Para William Hanage, professor de saúde pública da Universidade de Harvard, é preciso muita cautela com os resultados do estudo. “Uma certa variante pode se tornar dominante porque a pessoa infectada estava em um local muito populoso, onde poderia transmiti-la a muitas outras pessoas — um fenômeno chamado efeito fundador. Precisamos distinguir entre seleção, na qual uma variante se torna mais comum porque deixa mais descendentes, e efeitos fundadores, nos quais uma variante se torna mais comum porque teve a sorte no jogo de dados”, afirma. Segundo ele, as conclusões do estudo são “suspeitas, para dizer o mínimo”. (PO)