Os Estados Unidos pretendem autorizar o uso emergencial do medicamento remdesivir para pacientes com Covid-19. A decisão, que fez bolsas de valores dispararem, foi motivada pela divulgação de um estudo com resultados positivos após o uso do antiviral em pacientes infectados pelo Sars-Cov-2 e em estado grave. A eficiência do remédio, porém, não o é consenso entre os cientistas. Dados divulgados, também ontem, na renomada revista The Lancet mostram que a substância desenvolvida para tratar o ebola não obteve o efeito esperado em testes com 237 pacientes.
Médico epidemiologista que lidera a resposta dos Estados Unidos à crise sanitária, Anthony Fauci afirmou que um novo e importante trabalho mostrou que o antiviral se mostrou eficaz no tratamento de pessoas com casos graves de Covid-19. Segundo Fauci, “os dados mostram que o remdesivir tem um efeito claro, significativo e positivo na diminuição do tempo de recuperação”. Para ele, isso prova que a droga pode “bloquear” o novo coronavírus. Fauci chegou a comparar a descoberta com o desenvolvimento dos primeiros antivirais contra o HIV no final dos anos de 1980.
O estudo citado por Fauci foi feito pela farmacêutica americana Gilead e patrocinado pelos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos (NIH). Participaram da pesquisa 1.063 pacientes, de 47 locais do país, e outras 21 pessoas na Europa e na Ásia. Trata-se do maior teste até o momento sobre a utilidade do remdesivir com os resultados disponíveis, de acordo com os autores. Os dados, porém, ainda não foram divulgados em uma revista científica, que, para a publicação, submete o trabalho à revisão de especialistas.
A equipe observou que o medicamento acelerou o tempo de recuperação em 31% dos voluntários com Covid-19. Comparados aos pacientes que receberam um placebo, os indivíduos tratados com remdesivir se curaram em 11 dias (tempo médio), em vez de 15 dias, de acordo com comunicado dos NIH.
Em relação aos efeitos sobre a mortalidade, os resultados não são significativos, ou seja, a pequena diferença entre os dois grupos avaliados pode ser aleatória. No entanto, o grupo tratado com remdesivir apresentou mortalidade de 8%, contra 11% no grupo placebo, sugerindo que o medicamento aumentaria a chance de sobrevivência.
“Embora ainda sejam necessários dados adicionais, esses resultados ajudam a entender melhor como o tratamento com remdesivir pode ser otimizado, se comprovadamente for seguro e eficaz”, enfatizou Aruna Subramanian, pesquisadora da Faculdade de Medicina da Universidade de Stanford e uma das autoras do estudo.
Peter Horby, um epidemiologista da Universidade de Oxford que não participou do estudo, disse que os resultados completos ainda são desconhecidos. “Se isso for confirmado, pode ser um resultado fantástico e ótimas notícias para a luta contra a Covid-19”, avaliou. Scottiano Gottliebb, ex-comissionado da FDA, a agência de vigilância sanitária americana, escreveu no Twitter que os dados são suficientes para justificar que se considere uma “autorização para uso de emergência”. Essa decisão permitiria aos médicos prescreverem remdesivir fora do contexto de ensaios clínicos.
Amostra pequena
Nas últimas semanas, porém, surgiram relatos conflitantes sobre os benefícios do remdesivir no tratamento da Covid-19, e a discussão sobre a eficácia do uso do antiviral se intensificou ontem diante da publicação, na revista britânica The Lancet, de um estudo que coloca em dúvida os efeitos esperados do antiviral.
No comentário sobre o estudo liderado por Bin Cao, pesquisador do China-Japan Friendship Hospital e do Capital Medical University in China, a revista enfatiza que “o tratamento com remdesivir não acelera a cura nem reduz a mortalidade ligada à Covid-19 em relação ao placebo”. Fauci, por sua vez, contestou o texto afirmando que a pesquisa chinesa “não é um estudo adequado”.
Há uma semana, o estudo chinês foi divulgado pelo jornal americano Financial Times, que reportou que “o remdesivir (...) não melhora a condição dos pacientes ou reduz a presença do patógeno no sistema sanguíneo”. No mesmo dia, a Organização Mundial da Saúde (OMS) colocou, em seu site, um resumo da pesquisa, mas o tirou do ar em seguida. Fontes da agência das Nações Unidas disseram ao site especializado Stat que o estudo havia sido publicado por engano, antes de ser avaliado por um comitê de pareceristas.
A pesquisa contou com a participação de 237 pacientes em Wuhan, na China, mas não teve a abrangência esperada. Foi interrompida antes do previsto porque os cientistas não conseguiram recrutar pessoas suficientes para atingir o objetivo inicial. “Não é o resultado que esperávamos, mas é preciso ter em mente que só pudemos contar com 237 pacientes de uma meta de 453, já que a epidemia já estava sob controle em Wuhan”, justificou Bin Cao.
O tamanho da amostra levou especialistas a considerarem que, com ela, não seria possível gerar conclusões confiáveis. Bin Cao defende que “outros estudos devem ser realizados para determinar se o tratamento anterior com remdesivir, em doses mais altas ou associado a outros antivirais ou anticorpos neutralizantes, poderia ser mais eficaz em pacientes em estados graves”.
“O tratamento com remdesivir não acelera a cura nem reduz a mortalidade ligada à Covid-19 em relação ao placebo”
Trecho de comentário divulgado na revista britânica The Lancet sobre pesquisa liderada por Bin Cao, pesquisador do China-Japan Friendship Hospital e do Capital Medical University in China
Os dados mostram que o remdesivir tem um efeito claro, significativo e positivo na diminuição do tempo de recuperação”
Anthony Fauci, epidemiologista que lidera a resposta contra a Covid-19 nos EUA, sobre pesquisa da farmacêutica americana Gilead e patrocinado pelos Institutos Nacionais de Saúde
Otimismo financeiro
Mercados internacionais ficaram otimistas com o anúncio do uso do remdesivir para o tratamento da Covid-19. As bolsas de Nova York fecharam em alta, a brasileira, também, com subida de 2,29%. A farmacêutica americana Gilead Science, responsável pelo estudo e pela droga, registrou um aumento em suas ações de 3,55%. Na Europa, o Stoxx 600, carteira de 600 ações mais negociadas entre 18 países, subiu 1,75%.