Antes do anúncio, o senador democrata Bernie Sanders, 78 anos, telefonou várias vezes para Barack Obama. Escutou do ex-presidente sobre a necessidade de unificar o Partido Democrata, uma precondição para derrotar o republicano Donald Trump nas eleições de 3 de novembro. Na manhã de ontem, em vídeo difundido por meio de seu perfil pessoal no Twitter, Sanders avisou: “Enquanto estamos vencendo a batalha ideológica, e conquistando o apoio de muitos jovens e de trabalhadores em todo o país, cheguei à conclusão de que essa batalha pela indicação do Partido Democrata não será bem-sucedida”. “Por isso, hoje estou anunciando a suspensão de minha campanha”, declarou. Com o abandono da corrida à Casa Branca, Sanders praticamente oficializou a candidatura de Joe Biden, ex-vice de Obama e pivô do chamado “caso Ucrânia”, que provocou o julgamento político de Trump. “Hoje estou suspendendo minha campanha. Mas, mesmo que a campanha termine, a luta pela justiça continua”, acrescentou o político veterano.
Sanders também se dirigiu a Biden, amigo de longa data. “Hoje, eu parabenizo Joe Biden, um homem muito decente, com quem trabalharei para mover nossas ideias progressistas adiante”, comentou. Por sua vez, Biden se dirigiu aos simpatizantes do ex-adversário, também por meio das redes sociais. “Conheço Bernie bem. Ele é um bom homem, um grande líder e uma das mais poderosas vozes pela mudança em nosso país. É difícil resumir suas contribuições à nossa política em um único tuíte. Então, não vou tentar”, afirmou. “Aos apoiadores de Bernie: eu sei que preciso ganhar seus votos. Sei que isso pode levar tempo. Mas quero que saiba que eu os vejo, os ouço e compreendo a urgência deste momento. Espero que vocês se juntem a nós. Vocês são mais do que bem-vindos: são necessários.”
Em entrevista ao Correio, Bruce Ackerman, professor de direito da Universidade de Yale (em Connecticut), explicou que a união democrata entre esquerda (Sanders) e centro (Biden) ampliará bastante as chances de vitória do partido nas eleições de 3 de novembro. “Enquanto Biden exemplifica o tipo de liderança responsável que contrasta com a conduta errática de Trump, espero que ele adote ao menos alguns dos elementos do programa de campanha de Sanders para mobilizar os democratas fortemente progressistas a saírem de casa para votar”, disse.
Influência
Professor de ciência política da Universidade Brown (em Rhode Island), James Green aposta que Sanders tentará influenciar o programa e a direção do Partido Democrata em favor de Biden. “Sanders gosta de Biden, e isso será um elemento muito importante na construção de uma aliança. A questão-chave é se Sanders poderá ou não mobilizar sua base para apoiar Biden e continuar organizando o próprio eleitorado”, afirmou à reportagem. Segundo ele, as mortes crescentes provocadas pela pandemia do novo coronavírus em estados republicanos e em áreas rurais dos EUA (leia abaixo), aliadas à incompetência da Casa Branca, podem ajudar os independentes a entenderem a liderança “desastrosa” de Trump. “A campanha será pautada pela crise sanitária. Trump tentará falar sobre a Ucrânia e sobre o filho de Biden (Hunter Biden), mas acho que as pessoas não se importarão com isso. Os republicanos querem impedir os cidadãos de votarem. Creio que a determinação mostrada ontem (terça-feira) pela população de Wisconsin em votar nas primárias é um bom sinal da possível mobilização em torno de Biden.”
Para Leonardo Trevisan, economista e professor de relações internacionais da ESPM (SP), Biden representa uma possibilidade muito mais significativa de união dos democratas do que Sanders. “Quem conhecia esse poder de Biden era o próprio Trump, que se arriscou fazendo pressões sobre o presidente da Ucrânia (Volodymyr Zelensky) para ‘conseguir elementos’ a fim de prejudicar a campanha do democrata. Biden é um candidato muito mais forte. Sanders também não representava uma mensagem unitária do partido, com forte tradição de votos dos moderados.”
Trevisan aposta que Biden utilizará sinais emitidos pela campanha de Sanders para golpear Trump, como a urgência de um sistema de saúde universal. Ele avalia que o discurso de despedida do senador foi em nome da unidade partidária. “Sanders pretende manter vivo o seu ideário político. Ele tentará, de alguma forma, convencer que a plataforma democrata contenha seus ideais mais progressistas, em busca de uma campanha moderada.”
O desertor socialista
Durante quatro décadas de seus 78 anos de vida, Bernie Sanders tem promovido, de forma contundente, ideias socialistas nos Estados Unidos. Ainda que muitos no império capitalista as considerem utópicas ou nefastas. A ala mais moderada dos democratas iniciou as primárias divididas entre vários candidatos, enquanto o senador de Vermont reuniu multidões apaixonadas e contou com as contribuições de muitos pequenos doadores. O político veterano saiu das três primeiras eleições em Iowa, New Hampshire e Nevada como o favorito nas primárias. A influência de Sanders ficou nítida após ele denunciar, em 2016, a “corrupção” do capitalismo que favorece os milionários de Wall Street e o sistema de saúde que desampara milhões.
Em 2020 quase todos os democratas abordaram essas questões em suas campanhas. Mas Sanders, famoso por seu temperamento difícil, tinha cativado jovens com seu discurso em defesa dos trabalhadores em 2016. Quatro anos depois, os apoiadores do senador de Vermont, um estado de maioria branca, aumentaram e passaram a incluir minorias, fundamentais no eleitorado democrata. Depois de se recuperar de um ataque cardíaco, em outubro de 2019, retomou a campanha com força no início deste ano. Mais uma vez, o socialista viu seus adversários se unirem contra ele. Na véspera da “Super terça” de 3 de março, os moderados, Pete Buttigieg e Amy Klobuchar abandonaram a corrida e apoiaram Biden, iniciando uma frente contra Sanders. Em seguida, o bilionário Michael Bloomberg se retirou e endossou o ex-vice-presidente.
Bernard Sanders nasceu em 8 de setembro de 1941 no Brooklyn, Nova York, em uma família de imigrantes judeus poloneses. Como estudante da Universidade de Chicago, lutou contra a Guerra do Vietnã. Depois de morar em um kibutz em Israel, estabeleceu-se em Vermont no fim da década de 1960, onde trabalhou como carpinteiro e produtor. A carreira política começou em 1981, quando foi eleito prefeito de Burlington. Foi reeleito três vezes e, em 1990, entrou para a Câmara dos Representantes. Permaneceu lá até 2006, quando concorreu ao Senado, onde atua desde então.
Eu acho...
“Eu realmente esperava que Bernie Sanders agisse como um estadista nesse estágio. De fato, ele e Joe Biden se deram muito bem durante duas décadas em Washington — como colegas senadores e enquanto Biden serviu como vice-presidente de Barack Obama. Não havia história de animosidade política que impedisse uma frente unidade contra a reeleição de Trump.”
Bruce Ackerman, professor de direito da Universidade de Yale
“Biden é um candidato fraco como orador e debatedor, mas, ante a situação incomum no país, a campanha será muito diferente do que costumamos esperar. Biden também representa o establishment moderado do partido, embora a atual crise sanitária e a perceção de que ele precisa ganhar apoio dos eleitores de Sanders signifiquem uma leve guinada para a esquerda em muitas questões.”
James Green, professor de ciência política da Universidade Brown, em Rhode Island
“A possibilidade de Biden vencer Donald Trump está sendo reconhecida por diferentes pesquisas. A sondagem divulgada pela Universiade Quinnipiac aponta 57% dos votos para o democrata. Isso com referências anteriores ao crescimento do drama da pandemia do novo coronavírus. É evidente que o resultado da pandemia terá impacto forte na eleição.”
Leonardo Trevisan, economista e professor de relações internacionais da ESPM SP