Quem vai bancar o Plano Marshall?
Nos gabinetes onde se debruçam estrategistas e planificadores de política externa, pelo mundo afora, uma interrogação começa a tomar corpo. Diante do avanço galopante do coronavírus, e à sombra dos primeiros sinais das sequelas econômicas que aguardam mais à frente, o enigma que se insinua é de onde virão os recursos indispensáveis para financiar a retomada do crescimento.
Diplomatas e outros observadores do cenário traçam paralelos com o panorama no dia seguinte à Segunda Guerra Mundial. Em especial, quanto ao diagnóstico de que a reconstrução física da Europa e da Ásia demandaria o empenho de um montante inatingível, à primeira vista.
Guardadas as proporções para a devastação material e humana resultante do último conflito mundial, e à parte outras diferenças, a dimensão do esforço econômico se equipara à do Plano Marshall. Abrindo o cofre para resgatar a Europa e o Japão, os EUA deitaram as raízes da hegemonia geopolítica que exercem ainda, passadas sete décadas desde a vitória militar sobre a Alemanha nazista.
Jogo alto
O tom foi dado pelo comunicado final da teleconferência entre os chefes de Estado e governo do G20. A medida pode ser intuída pela escala dos pacotes de ajuda liberados: US$ 2 trilhões nos EUA, pouco mais que o dobro na União Europeia.
E nessas cifras se insinua a diferença crucial entre o pós-Covid de amanhã e o pós-guerra de 1945. Desta vez, os EUA não são a potência vencedora no campo de batalha e ilesa no terreno doméstico, à parte as baixas em combate. A semana termina com o país de Donald Trump na posição de epicentro da pandemia — arrebatada justamente da Europa.
Com duas locomotivas afastadas dos trilhos, as atenções se voltam para a segunda potência econômica mundial. Primeira escala do coronavírus, a China desbrava o território inexplorado da recuperação. Pode sair da tempestade na posição de assumir protagonismo na ajuda aos países mais atingidos.
Ponte de safena
Não por acaso, é na direção de Pequim que se produz, desde a última semana, um movimento significativo para a diplomacia brasileira. Governadores de estado, em especial, mas também os chefes do Legislativo, autoridades técnicas e expoentes do capital privado tomaram para si a missão de reconstituir os laços com o regime chinês. O mal-estar provocado pelo filho 03 do presidente, o deputado Eduardo Bolsonaro, foi contornado de maneira análoga ao tratamento cirúrgico de obstruções arteriais graves.
Com o Planalto e o Itamaraty interditados, outros atores funcionaram como ponte de safena para a cooperação com a China.
Time desfalcado
O primeiro trimestre de 2020 termina com o quadro das lideranças mundiais acusando os primeiros desfalques causados pela Covid-19. Inicialmente cético quanto aos perigos da pandemia e à urgência de medidas sociais para frear o contágio, Boris Johnson contraiu o vírus. Entrou em quarentena pouco depois de ter dado o braço a torcer e endossado a política do isolamento.
Também se recolheu, preventivamente, a chanceler da Alemanha. Seu teste deu negativo, mas Mutti (“mamãe”, como é chamada informalmente) teve contato com um médico que foi disgnosticado. Foi igualmente por precaução que também o premiê canadense, Justin Trudeau, adotou o confinamento desde que foi atestada a Covid na primeira-dama, Sophie.
Último moicano
Depois do amigo Boris Johnson, e sem que tenha testado positivo, Donald Trump é mais um governante “covidcético” que dá a mão à palmatória. Com os EUA no topo do ranking da pandemia, a urgência de “reabrir o país” até a Páscoa deu lugar ao apelo que hoje se tornou tão universal quanto o pedido de socorro pela sigla SOS. “Fiquem em casa” é agora o bordão na Casa Branca. O último moicano do “business as usual” não fala inglês.