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Fim do isolamento agrava novo pico

Wuhan, onde começou a pandemia, começa a suspender a quarentena e deve enfrentar segunda onda de infecções em agosto, dois meses antes do esperado. Cientistas britânicos alertam que a forte demanda por atendimentos se dará com hospitais ainda sobrecarregados





A vida em Wuhan, na China, começa a se normalizar, com a suspensão, nesta semana, das medidas de isolamento social. Contudo, um estudo publicado na revista The Lancet Public Health defende que a cidade, epicentro do coronavírus no país asiático, deveria estender até abril o fechamento de escolas e locais de trabalho. De acordo com os pesquisadores, isso pode evitar uma nova onda de casos em agosto. Restringir os deslocamentos até o mês que vem poderia atrasar o segundo pico da epidemia em dois meses, dando fôlego aos serviços de saúde, ainda sobrecarregados.

Até uma epidemia ser declarada oficialmente extinta, é natural ocorrer outro pico de infecções. A partir de modelos computacionais, usados para simular o impacto de ampliar ou relaxar o fechamento de escolas e locais de trabalho, o estudo estima que, encerrando as medidas de controle agora, a segunda onda pode ocorrer no fim de agosto. Ao mesmo tempo, a manutenção dessas restrições até abril provavelmente a atrasaria até os últimos dias de outubro, aliviando a pressão sobre o sistema de saúde nos meses intermediários.

“As medidas sem precedentes que a cidade de Wuhan adotou para reduzir os contatos sociais nas escolas e nos locais de trabalho ajudaram a controlar o surto”, disse, em nota, Kiesha Prem, da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres, que liderou a pesquisa. “No entanto, a cidade agora precisa ser muito cuidadosa para evitar o encerramento prematuro das medidas de distanciamento”

No estudo, os pesquisadores desenvolveram um modelo de transmissão para quantificar o impacto do fechamento de escolas e locais de trabalho usando informações sobre a frequência com que pessoas de diferentes idades se misturam  nesses locais. A partir de dados mais recentes de Wuhan e do resto da China sobre o número de contatos diários por faixa etária nos dois ambientes, os cientistas compararam o efeito de três cenários: sem intervenções e sem feriados; nenhuma medida de distanciamento físico, mas férias escolares de inverno e feriados do ano novo lunar normalmente; e intensas medidas de controle com a escolas fechadas e apenas cerca de 10% da força de trabalho — por exemplo, profissionais de saúde, polícia e outros essenciais do governo — na ativa.

As análises sugerem que as férias escolares normais de inverno e os feriados do ano novo lunar teriam pouco impacto na progressão do surto, caso escolas e locais de trabalho fossem abertos como de costume. No entanto, a implementação de medidas extremas para reduzir os contatos nesses ambientes pode reduzir o número de casos e o tamanho do pico da epidemia, além de atrasá-lo. Os efeitos dessas medidas de distanciamento parecem variar de acordo com a idade, com as maiores reduções de novos casos entre crianças em idade escolar e idosos, e menor entre os adultos em idade ativa. No entanto, uma vez que essas intervenções são relaxadas, espera-se que o número de casos aumente.

Segurança e eficácia

Análises posteriores sugerem que as medidas físicas de distanciamento provavelmente serão mais eficazes se o retorno escalonado ao trabalho começar no início de abril — reduzindo o número médio de novas infecções em 24% até o fim de 2020 e atrasando um segundo pico até o fim de outubro.

“Nossos resultados não serão exatamente os mesmos em outro país porque a estrutura da população e a maneira como as pessoas se misturam serão diferentes. Mas achamos que uma coisa provavelmente se aplica a todos os lugares: medidas físicas de distanciamento são muito úteis e precisamos ajustar cuidadosamente suas suspensões para evitar ondas subsequentes de infecção quando trabalhadores e crianças retornam à rotina normal”, afirma o coautor Yang Liu, da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres.

Em um comentário sobre o artigo publicado na The Lancet, Tim Colborn, infectologista da Universidade College London, afirma: “O estudo é crucial para os formuladores de políticas de todos os lugares do mundo, pois indica os efeitos da extensão ou do relaxamento das medidas de controle do distanciamento físico no surto da doença.  Dado que muitos países com epidemias crescentes agora enfrentam potencialmente a primeira fase de confinamento, é necessário identificar maneiras seguras de sair da situação”, conclui.

O infectologista Alexandre Cunha, do Hospital Sírio-Libanês, de Brasília, afirma que, diante da falta de opções preventivas e de tratamento, o isolamento é o que resta para evitar o avanço do coronavírus. “As medidas de distanciamento social, neste momento da pandemia, são as únicas que se mostraram eficazes para manter a disseminação do novo coronavírus. Uma vacina não estará disponível provavelmente em um ou dois anos, e os tratamentos, que são alardeados como a cura, são experimentais e baseados em estudos metodologicamente muito ruins. Provavelmente, eles não terão a eficácia disseminada, e os novos estudos não estão mostrando resultados promissores”, afirma.

De acordo com ele, ao evitar contatos excessivos, reduz-se a sobrecarga dos serviços de saúde e também o risco de óbitos. “A única maneira de preservar a nossa população é mantendo as medidas de distanciamento social para evitar que um número grande de casos ocorra simultaneamente. Mesmo que esses casos sejam de pessoas jovens, nos quais o vírus tem menor impacto, menor letalidade, menor taxa de hospitalização, se o número de infectados simultaneamente for muito grande, isso pode gerar uma sobrecarga no sistema de saúde. Essa sobrecarga pode fazer que haja óbitos evitáveis entre jovens, como acontece, por exemplo, nos Estados Unidos, onde há um grande número de óbitos entre pacientes jovens já.”



“Medidas físicas de distanciamento são muito úteis e precisamos ajustar cuidadosamente suas suspensões para evitar ondas subsequentes de infecção quando trabalhadores e crianças retornam à rotina normal”
Yang Liu, pesquisador da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres e coautor do estudo