A polêmica em torno da cloroquina — medicamento desenvolvido na década de 1940 para tratamento de malária e apontado pelo presidente Donald Trump como o “modificador” do curso da pandemia de Covid-19 — ganhou mais combustível. Ontem, a imprensa norte-americana divulgou o caso de um homem do Arizona na faixa dos 60 anos que morreu de infarto depois de autoadministrar o remédio, com objetivo de se proteger do vírus. A mulher dele foi internada em estado gravíssimo, mas, agora, está estável.
Na segunda-feira, sem citar o nome do composto, o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom, criticou os que levantam “falsas esperanças”, prometendo medicamentos ainda não testados para o combate à Covid-19. A cloroquina, também usada para artrite reumatoide, tornou-se candidata preferencial da administração Trump devido a poucos estudos que mostraram a eficácia da droga para a prevenção do coronavírus e a melhora de pacientes infectados. Porém, os testes foram feitos com células animais e, no segundo caso, com não mais que 100 pessoas.
Os efeitos colaterais da droga são múltiplos: náusea, vômito, erupções cutâneas, mas também condições oftalmológicas, cardíacas e neurológicas. Uma overdose pode ser perigosa e os médicos desaconselham tomá-la sem receita médica. “Esses medicamentos têm uma margem terapêutica estreita, ou seja, a dose eficaz e a dose tóxica são relativamente próximas”, adverte a Sociedade Francesa de Farmácia.
No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) passou a exigir receita médica para a compra da cloroquina e do hidroxicloroquina (derivado da substância) depois que consumidores esgotaram os medicamentos nas farmácias. “Os estudos conduzidos até o momento têm um número de pacientes muito reduzido, e ainda é arriscado afirmar que vai funcionar para todas as pessoas. Mais dados precisam ser coletados, de maneira adequada, para haver certeza de que vai funcionar”, diz uma nota técnica do órgão.
Juramento de Hipócrates
Apesar disso, há quem defenda abertamente o uso imediato das substâncias. O médico francês Didier Raoult, diretor do Instituto e Hospital Universitário de doenças infecciosas em Marselha e renomado especialista no assunto, retomou esse trabalho na França. Raoult também é membro do comitê científico que assessora o governo.
O médico defende a cloroquina como tratamento tanto na mídia quanto nos vídeos que compartilha na internet. Muitos de seus colegas, no entanto, criticam sua campanha, na ausência de ensaios clínicos conduzidos no âmbito de protocolos rigorosos e publicados em revista científica com um comitê de leitura independente.
Raoult testou a cloroquina em pacientes em seu centro hospitalar, com resultados positivos, de acordo com sua equipe, que os publicou com base nos testes de cerca de 20 pessoas. Eles foram tratados com hidroxicloroquina — e alguns, dependendo dos sintomas, também tomaram o antibiótico azitromicina.
“Apesar da pequena amostra, nosso estudo aponta que o tratamento com hidroxicloroquina está associado a uma diminuição/desaparecimento da carga viral (...) e seus efeitos são reforçados pela azitromicina”, segundo o estudo conduzido por Raoult. Invocando o juramento de Hipócrates dos médicos, sua equipe anunciou, no domingo, a intenção de administrar esses dois medicamentos a “todos os pacientes infectados” a partir de agora.
Estudos maiores
Um ensaio clínico chamado Discovery foi lançado, também no domingo, em vários países europeus, para testar quatro tratamentos experimentais, incluindo a hidroxicloroquina. O estudo incluirá pelo menos 800 pacientes franceses que sofrem de formas graves de Covid-19. Nos Estados Unidos, a Food and Drug Administration (FDA), que supervisiona a comercialização de medicamentos, anunciou um “estudo clínico abrangente”, lembrando que seu papel era garantir que os produtos fossem seguros e eficazes.
Por um lado, há aqueles que pedem cautela e que esperam os resultados de grandes ensaios clínicos realizados segundo a ortodoxia científica; por outro, aqueles que desejam acelerar o processo e administrar cloroquina extensivamente em nome de uma emergência de saúde. O presidente americano Donald Trump enfatizou suas supostas virtudes em várias ocasiões e, no Brasil, Jair Bolsonaro tem se mostrado um entusiasta da substância.
“Esses medicamentos têm uma margem terapêutica estreita, ou seja, a dose eficaz e a dose tóxica são relativamente próximas”
Trecho de nota da Sociedade Francesa de Farmácia