A troca de declarações oficiais entre Brasil e China, nos últimos dias, equivale a uma aula magna sobre a prática das relações internacionais. Os textos de ambos os lados oferecem exemplos de almanaque para o lugar central ocupado pelas palavras certas — e pelas palavras mal escolhidas — na arte cotidiana da diplomacia.
O embaixador Yang Wanming respondeu a um tuíte no qual o deputado Eduardo Bolsonaro, o filho 03 do presidente Jair Bolsonaro, atribui à “ditadura chinesa” a responsabilidade pela pandemia do coronavírus. No próprio tuíte, o representante de Pequim não se limitou ao tom firme no qual exigiu ao congressista que peça publicamente desculpas pelo que considera uma ofensa. Yang foi adiante, aludiu ao alinhamento do governo brasileiro com Donald Trump e mencionou um “vírus mental” que teria contagiado a comitiva de Bolsonaro na recente visita aos EUA.
Em nome do pai
Os termos da resposta do embaixador chinês funcionaram como casca de banana para o chanceler Ernesto Araújo. Testado a replicar, o chefe da diplomacia brasileira optou por sair em defesa do presidente, que não era o objeto da nota de Yang.
Embora tenha desvinculado o governo dos termos usados pelo “filho 03”. Resultado: a oferta de mediação feita pelo chanceler foi recusada. Na última nota, a embaixada da China insistiu: é Eduardo quem deve desculpas.
Gol contra
O contraste entre o tom do Itamaraty e o de outros polos de autoridade expõe a fratura entre uma parcela ponderável do establishment político e o presidente, no desafio crucial do coronavírus. Os presidentes das duas casas do Congresso e do Supremo Tribunal Federal tuitaram apresentando desculpas à China, em nome do Brasil. Líderes do agronegócio classificaram o episódio como um gol contra, desnecessário e inoportuno.
Bola na área
Em movimento frontalmente contrário ao do Planalto e do Itamaraty, o governador Ibaneis Rocha dirigiu-se ao embaixador chinês com um pedido de cooperação. Invocou a experiência adquirida pelo país no combate à epidemia e sondou o envio de especialistas e equipamentos para o DF, cuja vocação natural expõe ao contágio.
Se oriente, rapaz
Um diplomata asiático com experiência em Brasília observou na ação — que considera “imprudente” — do governo brasileiro diante do mal-estar com a China a expressão de um descompasso entre gerações. Assim como os vizinhos Coreia e Japão, ou civilizações com a antiguidade da indiana e da persa, a China tem milênios de janela na arte da diplomacia. Seu olhar para o mundo alcança as curvas do horizonte, que desmentem a Terra plana, e as dobras de uma história secular.
Na vitrine
A crise do coronavírus testa a nossa diplomacia em outra frente na qual nos falta o exercício mais habitual. A explosão do contágio na Europa surpreendeu um número considerável de brasileiros em viagens de turismo. E, por alguns dias, a mídia exibiu relatos e apelos dramáticos pela repatriação.
Muitos desses cidadãos estão retornando neste fim de semana. Fruto da ação quase anônima da diplomacia profissional, cotidiana e prática.