A instrução “não alimente os animais” está longe de ser exclusiva dos parques e zoológicos. Pesquisadores da Universidade da Geórgia (UGA) e da Universidade Estadual de San Diego descobriram que a prática de oferecer comida às espécies na vida selvagem é mais prejudicial do que se imaginava. Em um artigo publicado na Scientific Reports, os cientistas afirmam que isso pode, inclusive, atrapalhar a vida social das comunidades. O estudo foi feito a partir de observações do comportamento de um grupo de macacos-mouros (Macaca maura) que vivem próximo a uma estrada arborizada na Ilha de Sulawesi, na Indonésia.
Os macacos se reúnem ao longo dessa estrada muito movimentada para receber comida dos motoristas que trafegam por ela. Os pesquisadores queriam saber quais os fatores que levaram alguns espécimes a se tornarem mais inclinados a interagir com os seres humanos, e como essas interações afetaram o grupo como um todo. Em particular, os cientistas estavam interessados em descobrir se as relações sociais influenciavam a quantidade de tempo que alguns macacos passavam ao longo da rodovia e de que forma características como idade e sexo contribuíam para essas decisões.
“É um pouco como o velho ditado que diz: ‘Se seus amigos pularem de um penhasco, você faria isso também?’”, diz Kristen Morrow, estudante de doutorado em antropologia na UGA e principal autora do estudo. “Sim, existe uma recompensa alimentar associada aos humanos, mas trata-se de um comportamento arriscado, e macacos selvagens geralmente são muito cautelosos com os homens. Então, queríamos saber como esse comportamento afeta a comunidade.”
Os pesquisadores descobriram que os macacos machos eram mais propensos a correr o risco de se aproximar dos seres humanos, que geralmente ofereciam a eles pão, frutas, batatas fritas e outros alimentos processados. Os cientistas também constataram que os animais com maior influência no bando visitavam a estrada com mais frequência. Embora essa proximidade regular com os motoristas possa ter resultado em uma recompensa alimentar, também interrompeu os comportamentos sociais normais, típicos os macacos-mouros em seu habitat, a floresta.
“Quando os macacos estavam ao longo da estrada, havia menos conexões sociais entre os indivíduos. Essa mudança pode reduzir as oportunidades de interações positivas, como cuidar um do outro ou descansar perto um do outro”, argumenta Morrow. “Trata-se de comportamentos importantes, porque servem como base para o aprendizado social e a construção de relacionamentos que levam a uma comunidade forte e coesa.” A ruptura desses laços sociais pode ser prejudicial a saúde, vida útil, sucesso reprodutivo e sobrevivência dos animais na infância, segundo o estudo.
Conservação
No total, os macacos passaram cerca de 20% do tempo na estrada e 80% na floresta. Mas o comportamento deles ao longo da rodovia muitas vezes contrastava fortemente com o exibido na mata, onde ficavam a maior parte do tempo buscando frutas silvestres, longe do barulho e das distrações da movimentada via. Com o tempo, é possível que essas interações regulares com os seres humanos possam mudar fundamentalmente as estruturas sociais dessa e de outras comunidades de macacos, afirma Morrow.
“Essa é uma informação importante para as pessoas que tentam abordar questões de conservação relacionadas à perda de habitat ou onde os animais têm maior probabilidade de interagir com os seres humanos”, diz a pesquisadora. “Nossos resultados sugerem que os macacos-mouros são atraídos para a estrada porque percebem que o benefício de receber provisões de alimentos supera quaisquer riscos associados à proximidade de pessoas e de veículos em movimento”, completa Erin Riley, professora de antropologia da Universidade Estadual de San Diego. “Isso sugere que uma abordagem focada nos macacos pode ser ineficaz. Os esforços provavelmente têm de ser direcionados à mudança de comportamento das pessoas, mostrando a elas os efeitos negativos de alimentar os macacos e por que protegê-los é importante.”
Os pesquisadores coletaram os dados seis horas por dia, seis dias por semana, de agosto de 2016 a janeiro de 2017. A cada 30 minutos, eles registravam a localização de cada macaco, e o comportamento do animal, incluindo descanso, alimentação, diversão e agressão. No total, foram 565 horas de acompanhamento de 1,2 mil animais. “Embora o estudo nos conte muito sobre os possíveis impactos das interações humanas com essa comunidade de macacos, precisamos fazer mais pesquisas para entender como tais comportamentos afetam a vida selvagem. Humanos e animais estão cruzando caminhos com mais frequência, e precisamos entender os efeitos dessas interações para construir práticas eficazes de conservação”, conclui Morrow.
"Humanos e animais estão cruzando caminhos com mais frequência, e precisamos entender os efeitos dessas interações para construir práticas eficazes de conservação”
Kristen Morrow, estudante de doutorado em antropologia na Universidade da Geórgia e principal autora do estudo
Gorilas respeitam os vizinhos
Conhecidos pela serenidade e cooperação entre os membros de um grupo, os gorilas podem sair do sério quando o assunto é defender seu território. Um artigo publicado na revista Scientific Reports demonstrou que, na vida selvagem, esses primatas reconhecem propriedades e, para evitar conflitos, costumam se afastar quando chegam muito perto da área dos vizinhos. De acordo com os pesquisadores, das universidades de Cambridge, Anglia Ruskin, Barcelona e Viena, nesse sentido, a espécie se aproxima bastante de um primo distante: o homem.
Anteriormente, pensava-se que os gorilas não eram territoriais. Isso porque, além de os bandos viverem relativamente perto uns dos outros, eles são conhecidos por sua grande tolerância. Bem diferente dos chimpanzés, extremamente violentos quando sentem o território ameaçado. Embora também defendam seu território, os gorilas o fazem de uma forma mais pacífica.
Ao observá-los no Parque Nacional Odzala-Kokoua, na República do Congo, os pesquisadores descobriram que a movimentação dos grupos é fortemente influenciada pela localização dos vizinhos — eles são menos propensos a se alimentar em um local visitado por outro bando naquele dia — e pela distância da área central da vizinhança.
“Nossas descobertas indicam que existe um entendimento entre os gorilas sobre a ‘propriedade’ de áreas. Além disso, a localização de grupos vizinhos restringe seus movimentos”, diz Robin Morrison, principal autora e pesquisadora da Universidade de Cambridge. Se precisarem, esses animais defenderão os territórios com agressões físicas, algo que evitam ao máximo, adotando os comportamentos observados pelos cientistas. “O sistema flexível de defesa e compartilhamento de espaço implica a presença de uma estrutura social complexa.”
Segundo Jacob Dunn, coautor do estudo, quase todas as pesquisas sobre a evolução humana nos comparam aos chimpanzés. A extrema violência territorial desses macacos costuma ser usada como evidência de uma base evolutiva para as guerras entre humanos. “Nossa pesquisa mostra algo diferente. As principais áreas de domínio dos gorilas e as grandes zonas de tolerância mútua podem ajudar no nosso entendimento da evolução social das primeiras populações humanas, mostrando tanto a capacidade de serem violentas na defesa de um território específico quanto a tolerância entre grupos necessária para uma cooperação social mais ampla.” (PO)