O anunciado encontro algo informal entre Jair Bolsonaro e Donald Trump, no fim de semana, sinaliza novos passos na direção do eixo que desponta como prioritário para a política externa delineada pelo novo governo brasileiro. Os dois presidentes devem jantar hoje, como parte da visita de Bolsonaro à fábrica da Embraer em Jacksonville, na Flórida — o estado onde o presidente americano tem uma casa de veraneio.
Na agenda, é esperado que figurem negociações no âmbito da cooperação militar. Ela vem sendo reatada desde o segundo mandato de Dilma Rousseff, com o ministro da Defesa Nelson Jobim, tomou impulso no breve governo de Michel Temer e navega de vento em popa desde a posse do capitão. Ainda durante a campanha de 2018, o então candidato deixou clara a intenção de reorientar o Itamaraty no rumo da sintonia com Washington e aposentar a estratégia traçada no período Lula-Celso Amorim — que a equipe atual, personificada pelo chanceler Ernesto Araújo, classifica como “terceiro-mundista” e “globalista”.
Aviões de carreira
A simples presença do presidente na fábrica de Jacksonville consubstancia um dos marcos dessa guinada, a compra da Embraer pela gigante americana Boeing. Com a transação, muda completamente de foco a política para a indústria aeronáutica brasileira. Outrora concorrente de empresas dos EUA, do Canadá e de outros países industriais, em especial em determinados nichos do mercado para aeronaves de alcance regional, a antiga estatal de São José dos Campos passa a ser peça complementar da multinacional.
Mas há bem mais do que aviões de carreira no voo conjunto de Trump e Bolsonaro. A visita à Flórida foi precedida por uma reunião, no Itamaraty, da Comissão Mista Brasil-EUA de Cooperação Científica e Tecnológica. A Comista, como é chamada por aqui, não se reunia desde 2015, e a retomada se segue à assinatura, no ano passado, do acordo que permitirá o lançamento de satélites americanos a partir da base de Alcântara, no Maranhão.
Maduro no cardápio
Menos vistoso que o jantar com Trump, um prato de sabor acentuado frequenta o cardápio montado para Bolsonaro no estado onde se concentram os sul-americanos radicados nos EUA. O presidente brasileiro é convidado de dois senadores republicanos da Flórida, Rick Scott e Marco Rubio. Ambos são governistas e engajados com afinco nas ações destinadas a isolar e tirar do caminho o regime chavista da Venezuela, na pessoa do presidente Nicolás Maduro.
Às vésperas da partida do presidente, o governo determinou a remoção de todo o pessoal diplomático e consular lotado em postos na Venezuela, onde vivem 10 mil brasileiros. A saída deve se concluir em dois meses, e até lá será anunciada uma decisão sobre o atendimento aos cidadãos residentes no país. Como parte do movimento, o Itamaraty notificou Caracas para que adote procedimento recíproco em relação aos diplomatas em serviço por aqui, uma vez que não reconhece a “ditadura” de Maduro e trata como chefe de Estado (interino) o líder oposicionista Juan Guaidó, proclamado pela Assembleia Nacional.
No ano passado, a emissária de Guaidó para o Brasil, María Teresa Belandría, fez uma tentativa frustrada de instalar-se na representação diplomática venezuelana em Brasília. O incidente, protagonizado por antichavistas exilados, ajudou a elevar a tensão com Caracas.
Jerusalém
Em outra frente do realinhamento com as posições de Washington, o Planalto e o Itamaraty acompanham as negociações para a formação do próximo governo em Israel, após a vitória do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu na eleição da última segunda-feira. Embora não tenha sido conclusivo, o resultado desequilibrou a favor de “Bibi” a balança política israelense, estagnada há mais de um ano.
Um dos convidados mais significativos que compareceram à posse de Bolsonaro, no ano passado, o premiê israelense foi também um dos primeiros chefes de governo a receber a visita do novo presidente brasileiro. Na ocasião, ficou no ar a promessa de campanha, reafirmada durante a transição de governo, em Brasília, de reconhecer Jerusalém como capital do Estado judeu, a despeito da ausência de reconhecimento internacional, e transferir para lá a Embaixada Brasileira, hoje sediada em Tel Aviv.
Donald Trump, ainda em 2018, foi o primeiro governante de peso mundial a fazer o gesto, rejeitado pelo mundo árabe, que reivindica o setor oriental da cidade como capital de um Estado palestino. Mais recentemente, o presidente americano anunciou uma iniciativa para o Oriente Médio que contempla o plano, anunciado por Bibi, de anexar até um terço do território palestino da Cisjordânia.