Séculos de pesquisas arqueológicas sobre o Império Inca geraram uma verdadeira biblioteca de conhecimentos a respeito desse fascinante capítulo da história das Américas. Mas novos projetos digitais estão provando que há muito mais a descobrir sobre a vida pré-colonial nos Andes. Em uma edição recém-lançada do Journal of Field Archaeology, o professor-assistente de antropologia da Universidade de Brown, nos Estados Unidos, Parker VanValkenburgh e vários colegas detalharam pesquisas conduzidas em territórios incas na América do Sul usando drones, imagens de satélite e bancos de dados on-line. Os resultados demonstram que o big data pode fornecer aos arqueólogos uma visão abrangente dos assuntos que estudam em campo, levando a novos insights e levantando novas questões históricas.
“Algumas perguntas são realmente difíceis de responder quando você olha apenas uma pequena parte da história — digamos, cavando uma vala nos restos de uma casa”, diz VanValkenburgh. “Essas grandes perguntas sobre todo o Império Inca são muito difíceis de responder com apenas uma palheta e uma espátula.” Mas, como o pesquisador e seus colegas descobriram, os arqueólogos podem começar a responder a essas perguntas aproveitando o poder do big data. Trabalhando com o antropólogo da Universidade de Vanderbilt Steven Wernke e o etno histórico japonês Akira Saito, VanValkenburgh ajudou a desenvolver e preencher dois bancos de dados on-line que coletam informações históricas e imagens de satélite que documentam o reassentamento em massa forçado do Império Espanhol pelo Império Inca no século 16.
Um dos bancos de dados, chamado Logar2, inclui informações coletadas da Tasa de la Visita General, um registro abrangente do reassentamento mantido pelo vice-rei do Peru, nomeado pela Espanha. Outro, intitulado GeoPACHA, serve como repositório de imagens novas e existentes desses sítios, de fotos históricas a imagens de satélite atuais. “Esse foi um dos maiores programas de reassentamento já empreendidos por uma potência colonial na história do mundo”, diz Wernke. “Mais de um milhão de pessoas foram transferidas. No entanto, como não há uma lista única nos documentos históricos, mais da metade dos assentamentos não foi identificada. Agora, entre o Logar2 e o GeoPACHA, identificamos cerca de três quartos deles, o que é surpreendente”, comemora.
Escala multinacional
Usando os dados coletados, VanValkenburgh, Wernke e Saito criaram um mapa abrangente de todos os assentamentos coloniais espanhóis conhecidos, ou reducción, que se estendem do Equador ao Chile, permitindo que aqueles que estudam a região compreendam o fluxo e o refluxo da vida social em uma localidade, em escala multinacional. Para demonstrar as possibilidades de descobertas a partir desses dados, os autores criaram uma figura que aponta cada reducción em um mapa do sistema de estradas imperiais incas, evidenciando que os espanhóis dependiam muito da infraestrutura indígena para conquistar e reestruturar o império. Outra figura codificou, por cor, cada reducción por elevação, demonstrando que os dados poderiam ajudar pesquisas sobre as maneiras pelas quais o reassentamento em massa afetava os sistemas de assentamento inca.
Outro projeto de VanValkenburgh, no qual ele se juntou ao professor-assistente de estudos ambientais Brown James Kellner, foi usar a tecnologia drone LiDAR (detecção de luz e variação) para capturar a complexidade arquitetônica do sítio arqueológico andino pré-colombiano de Kuelap. “Na arqueologia, a ciência do big data está realmente na infância, em comparação com outros campos, como genética e astronomia”, diz. “Mas, em breve, expandiremos essas aplicações e conseguiremos examinar as maneiras pelas quais sociedades inteiras se adaptaram às mudanças climáticas por longos períodos de tempo.”
Desafios
Mas o uso de big data em um campo voltado para ciências humanas não deixa de ter desafios, observa VanValkenburgh. A crescente dependência dos pesquisadores de imagens de satélite de alta resolução pode levantar preocupações sobre a privacidade individual e a segurança nacional. Além disso, a variabilidade dos materiais arqueológicos torna quase impossível estabelecer convenções de nomenclatura universal, como as empregadas na medicina ou na física. E, principalmente, diz o pesquisador, o excesso de confiança nos métodos arqueológicos orientados por dados pode distanciar os estudiosos das próprias pessoas e civilizações que suas pesquisas buscam entender melhor. “Nosso campo de estudo adiciona uma dimensão humana à história. As pessoas estão preocupadas com a falta de perspectivas dos estudos de pequenas histórias — que são “o pão e a manteiga” da arqueologia há muito tempo —, bem como com o futuro das parcerias locais e comunitárias, que são cada vez mais importantes para a prática arqueológica.”
Ele acredita que, em um mundo ideal, o papel do big data na arqueologia será apontar um primeiro caminho, e não tirar conclusões definitivas. O trabalho do pesquisador com Wernke e Saito demonstra que existem bancos de dados para abrir novas janelas de pesquisa, a maioria das quais ainda exige ir a campo e se comunicar constantemente com os membros das comunidades em que os arqueólogos trabalham. “Temos de estar entusiasmados com o que a tecnologia pode nos dizer, mas também precisamos ser humildes. A arqueologia digital precisa estar em um diálogo profundo com o trabalho de escavação”, ensina.